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A realidade da semana de trabalho de quatro dias
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Adriana Schneider é CEO da Humanare by Cicclos, consultoria referência nacional em Gestão Humanizada e Certificada com Empresa B. É embaixadora do Capitalismo Consciente no Brasil. Membro ativa da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), Grupo de Praticantes de Estruturas Libertadoras, Facilitadores do Thinking Environment, Teoria U (MIT), Comunicação Não Violenta (CNV). Psicóloga, pós-graduada em Educação pela PUC-Rio. Foi gerente de grupo de produtos de Educação Corporativa e Sustentabilidade do Senac Rio, gerente de Produtos Online da FGV e diretora de Relacionamento da Etalent.

A realidade da semana de trabalho de quatro dias

A semana de 32 horas elevará o nível de consciência em ambientes corporativos, aumentando felicidade, saúde e produtividade
Tipo Opinião
A jornada de 32 horas precisa ser planejada para ser implementada (Foto: Jan Vašek/Pixabay )
Foto: Jan Vašek/Pixabay A jornada de 32 horas precisa ser planejada para ser implementada

Há duas semanas tenho sido chamada para várias entrevistas e matérias sobre a jornada de semana de quatro dias ou 32 horas flexíveis que começa a ser testada no País. Eu estudo há cinco anos o modelo e implementei na Humanare em março de 2021.

Saiba por que a flexibilização da jornada de trabalho impacta os negócios e a sociedade

A jornada de cinco dias úteis com oito horas de trabalho diários, seguidos de dois dias de folga, foi um grande avanço criado pelas indústrias Ford na década de 1920.

Nesta época, os operários trabalhavam em média quinze horas diárias e poucos tinham direito a uma folga semanal. A crise de 1929 consolidou os dois dias de folga na semana como um antídoto ao desemprego.

Quando Henry Ford, implementou o regime de quarenta horas semanais, percebeu que os empregados produziam mais e melhor.

O salto de produtividade com as horas a mais de sono, descanso e lazer fez com que sua inovação extrapolasse para além de suas indústrias e proporcionou que vários negócios sobrevivessem até os dias de hoje.

O que a mudança da jornada de trabalho de 1920 tem em comum com o que está acontecendo no mundo do trabalho pós pandemia em 2022?

A crise! O mundo dos negócios, assim como na “Grande Depressão” de 1929, foi abalado pelo cenário pandêmico.

O modelo tradicional do ganha-perde, lucro a qualquer custo, trabalho sem significado, hierarquias verticalizadas, ambientes de trabalho adoecedores chegou ao seu limite e novamente precisou ser revisto e reinventado para que as empresas sejam sustentáveis a longo prazo.

É apenas ter olhos para ver: mesmo as empresas unicórnios como o QuintoAndar e a Loft, foram forçadas a reverem suas estruturas com demissões em massa no primeiro semestre deste ano.

Do outro lado, observou-se a crescente onda de demissões voluntárias, que foi batizada nos EUA como Great Resignation (“grande resignação”).

As demissões ganharam um escopo global e causam prejuízos às empresas que tentam desesperadamente reter seus talentos.

No Brasil, em 2022, mais de 3 milhões de trabalhadores se demitiram do trabalho presencial, dos ambientes corporativos tóxicos e das carreiras bem remuneradas, porém sem significado.

Como a jornada de 32 horas semanais pode aumentar a produtividade?

Promover o bem-estar e a saúde também impacta positivamente na produtividade no trabalho
Foto: LEEROY Agency/Pixabay
Promover o bem-estar e a saúde também impacta positivamente na produtividade no trabalho

O modelo já foi testado em países como Islândia, Reino Unido, Bélgica, Nova Zelândia, Escócia e Estados Unidos.

Com o advento da “grande resignação” e a oficialização do burnout pela Organização Mundial da Saúde, outros países como Espanha, Portugal e Brasil começam a testar regimes mais flexíveis de trabalho.

Profissionais de diversos níveis de maturidade e segmentos não estão mais dispostos a pagar o preço pelo estado de tensão emocional provocado por condições de trabalho desgastantes.

Por isso, estão optando pela realização pessoal, empreender em negócios ou projetos próprios e por maior flexibilidade entre trabalho e vida pessoal.

O tema divide governos, empresas e trabalhadores na hora de pensar sobre o futuro do trabalho, porém dados de pesquisas internacionais são contundentes:

  • 77% dos trabalhadores gostariam que a sua empresa adotasse a semana de quatro dias de trabalho
  • 65,2% admitem até trabalhar mais horas por dia
  • 12% estão até dispostos a abdicar de parte do seu salário para ter mais um dia de descanso

Países que adotaram o modelo há mais tempo perceberam que há no primeiro momento uma queda na produtividade, por conta dos ajustes, mas a médio prazo a produtividade cresce bastante.

O nível de estresse de funcionários e gestão diminui de forma significativa e os indicadores de engajamento e comprometimento com a empresa e com os colegas crescem e se sustentam.

Como viabilizar a mudança da jornada de trabalho no Brasil?

No Brasil, dados da plataforma Indeed revelaram uma grande abertura por parte dos trabalhadores.

Mais de 85% também acreditam que redução da carga horária melhoraria sua saúde mental e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e que seriam mais produtivos em uma semana de quatro dias.

Além disso, 79% concordariam aumentar as horas diárias de trabalho por uma semana mais curta e 84% apoiariam a empresa na implementação deste novo modelo.

As companhias que instituíram a nova jornada já veem melhorias de eficiência, bem-estar dos trabalhadores, indicadores de retenção de talentos e nos resultados financeiros.

No entanto, o modelo sem alteração salarial exige um planejamento prévio com atenção à legislação trabalhista e à cultura organizacional.

Empresas e sindicatos patronais precisam negociar em prol de uma solução ganha-ganha, a redução da carga horária não deve impactar os salários para que a implementação seja feita sem grandes conflitos.

Viabilizar que as empresas prosperarem desta forma é benéfico para toda a sociedade.

As empresas devem envolver seus funcionários nas decisões. Abrir campanhas de conscientização, testar interesses e expectativas, medir os impactos na produtividade, nas metas, olhar para todos os aspectos, entendendo quais funções podem aderir de uma forma mais rápida e quais necessitam de uma estratégia para que as áreas e entregas não sejam prejudicadas. 

No que se diz respeito à retenção de talentos, a semana de quatro dias de trabalho tem se mostrado boa na atração e retenção de talentos.

Profissionais valorizam marcas empregadoras que proporcionam a possibilidade de dedicação à empresa e também a outros aspectos da vida, como família, saúde e até mesmo o envolvimento com outros projetos profissionais.

O preço de acreditar que é possível…

Minha empresa é 100% home-office desde 2016. De lá para cá muita coisa mudou, desde a mentalidade de clientes, parceiros e colaboradores à tecnologia que proporciona a integração de informações e a comunicação em tempo real entre todas as partes interessadas.

No meu caso, migrar para a jornada de 32 horas semanais flexíveis aconteceu de forma orgânica para acomodar o crescimento e o desafio da dispersão geográfica (atualmente nosso time está espalhado no Brasil e na Europa).

A gestão do conhecimento, a responsabilidade da autogestão de agendas e entregas, e a fluidez entre líderes e times são grandes desafios.

Minha estratégia de expansão foi atrair um mix de profissionais com experiências, conhecimentos e maturidade diversificados, em comum o desejo de ressignificar a relação com o trabalho e de fazer dar certo este novo modelo.

Alguns funcionaram, outros não, porém todos percebem que houve muito aprendizado e amadurecimento profissional.

Eu acredito que a semana de quatro dias ou 32 horas flexíveis pode ser uma nova fronteira e, que a exemplo do trabalho remoto, também elevará o nível de consciência em ambientes corporativos, aumentando índices de felicidade, saúde e produtividade.

Toda mudança gera esforço, provoca resistências e um certo grau de sofrimento até que seja incorporada.

O movimento já começou e precisa avançar… e se não agora, quando? E se não nós, quem?

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