Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Falar sobre preconceito é fundamental. Quantas mais falas, maior o número de pessoas que podem ser esclarecidas, assim como o de casos denunciados e de violadores da lei, punidos. Um preconceito que precisa ter mais falas, tanto de quem o experiencia como de quem estuda ou de quem não consegue conviver com o incômodo é o etarismo. Este é o nome que se dá à discriminação, ao preconceito, relacionado à idade, seja por forma verbal, física ou psicológica.
“Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Esta frase foi dita por uma universitária de Biomedicina da Unisagrado, uma instituição particular de Bauru (SP), durante vídeo em que ela e mais duas amigas discriminam uma colega de sala de 44 anos. Outra ainda complementa que deveria “estar aposentada”. Até ontem, o vídeo havia sido visualizado por sete milhões de pessoas no Twitter.
Jovens, talvez nos seus 20 anos, ainda com muita sensibilidade e empatia para desenvolverem, sequer devem supor quantas possibilidades cabem em alguém que, aos 44 anos, se senta na sala de aula ao lado delas. Primeira oportunidade de uma graduação? Coragem e maturidade para desbravar um novo caminho? Necessidade de um diploma para crescer profissionalmente? O preconceito se sobrepôs à razão. Imaginem como os pais dessas jovens seriam recebidos por elas se resolvessem começar algo novo na vida...
.
"O etarismo está tão latente, tão presente no cotidiano dos que disfarçam preconceitos em palavras como “coroas”, “tios”, “velhinhos”, que vem encurtando a faixa dos que antes eram o alvo"
.
O etarismo está tão latente, tão presente no cotidiano dos que disfarçam preconceitos em palavras como “coroas”, “tios”, “velhinhos”, que vem encurtando a faixa dos que antes eram o alvo. Dias desses, buscando por concursos literários, encontrei um prêmio, do Rio Grande do Sul, que abrange sete categorias: poesia, literatura infantil, narrativa curta (conto ou miniconto), romance, crônica, ensaio e gênero dramático.
Só que, CUIDADO, CENAS FORTES: só podem se inscrever autores que “não tenham ultrapassado a idade de 35 anos, por ocasião da publicação da sua obra inscrita no prêmio”. Se querem premiar quem está começando, poderiam colocar a regra “para quem ainda não publicou”.
Cora Coralina, que só lançou seu primeiro livro aos 76 anos, jamais poderia concorrer a um edital etarista. Nem R. R. Tolkien, que modernizou a literatura fantástica com “O senhor dos anéis”. A obra foi publicada quando ele tinha mais de 60 anos. Havia começado a ser escrita 20 anos antes, nos seus 40 anos, quase a mesma idade escorraçada pelas universitárias de Bauru.
Só para lembrar: Drácula, que tanto encanta os jovens, foi escrito por Bram Stoker aos 50 anos. Será que depois de etaristas saberem disso a obra perderá o valor literário?
São limites como o do prêmio literário que segregam, podam talentos e vão gerando mais e mais etarismo, principalmente em um país que segue envelhecendo. Segundo o IBGE, houve um recorde em 2021 no índice de pessoas com mais de 30 anos, que passou a representar 56,1% dos 212,7 milhões de cidadãos brasileiros. Em relação ao envelhecimento da população, o grupo de pessoas com mais de 65 anos passou de 7,7%, em 2021, para 10,2% em 2022.
Na contramão do que os números oficiais indicam, o etarismo se espalha. Vi no Instagram da escritora paulista Jenny Rugeroni que, quando ela estava escrevendo “O ano em que não choveu”, uma especialista em leitura crítica sugeriu que alterasse a idade da personagem Lívia, de 43 para 28 anos. Motivo? “Ninguém se interessa pela vida amorosa das pessoas com mais de quarenta”.
Quer dizer então que não temos leitores nem entre os 56,1% dos brasileiros com mais de 30 anos no país? Nem entre os que já estão vivendo suas vidas amorosas com esta idade ou bem pertinho dela? Tsc, tsc.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.