Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
A notícia de que uma menina de cinco anos de idade morreu na Barra do Ceará, vítima de um tiroteio, na noite do último sábado, dia 6, me encheu de tristeza e revolta. A foto da criança, na inocência meiga da infância, vestida de fada, toda na cor rosa, inclusive as asas, a tiara no cabelo e a varinha de condão, torna ainda mais cruel a interrupção da vida, dos sonhos dela e da família.
O tiroteio, segundo divulgado pela imprensa, teria sido motivado pela disputa de território do tráfico entre facções. Duas outras pessoas foram baleadas: um adolescente de 12 anos e um homem de 23 anos, indicado como o alvo a ser abatido pelos criminosos. Os dois foram levados para atendimento médico.
A imagem da menina e de seu traje de fada não saíram da minha mente. Não se trata de um game em que se ressuscita bonecos atingidos por algum tipo de artilharia. A banalidade com que a vida é tratada nos jogos tem sido trazida para a vida real e amedronta o cotidiano na periferia. Os acertos de contas das facções não medem circunstâncias. Aquilatam a vida na insignificância.
Na periferia, famílias perdem seus entes pelo simples fato da coincidência no caminho da bala, porque as crianças estão na calçada, porque alguém foi comprar algo na bodega, porque foi tomar uma cerveja no bar. Além da dor da perda, há o pesado silêncio do medo de outra pessoa da família ser alvo caso seja feita, publicamente, alguma reclamação sobre o ocorrido. Dor dupla.
Reportagem do O POVO, semestre passado, aponta que, em três anos, pelo menos 43 pessoas haviam sido vítimas de bala perdida no Ceará. O dado foi obtido por meio da Rede de Observatório de Segurança, a partir de matérias jornalísticas divulgadas entre 2019 e 2022. No Nordeste, entre os estados acompanhados pela Rede, Pernambuco tinha o maior índice de casos do tipo (60), seguido pelo Ceará (43) e Bahia (35).
Em nível nacional, o Rio de Janeiro lidera em número de mortes por balas perdidas. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, como retrato da guerra entre a milícia e facções do tráfico de drogas na Região Metropolitana do Rio, de janeiro ao início de março de 2023, foram registradas 13 mortes por bala perdida e 31 pessoas feridas. Os dados representam aumento de 160% dos mortos e 106% de feridos, se comparados ao mesmo período do ano anterior.
Trago números somente para dar a dimensão da quantidade de famílias que se veem enlutadas, de uma hora para outra, vítimas de uma guerra que não é delas, e para que a dor que as rodeiam seja percebida por todos, independente de classe social. Para além de dados registrados nas reportagens, essas famílias são como retratos rasgados, jogados na fogueira do tempo. Não há mais vida a ser colada.
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