Déficit de moradia e a não consumação de um direito
Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Dia desses fiquei engarrafada numa manifestação próxima ao Palácio da Abolição, local de trabalho do governador do Estado. Uma das palavras de ordem que escutei foi sobre a necessidade de teto, o tal déficit de moradia que, igual calo, só sabe quem o tem. Alguns motoristas, impacientes, tentavam a todo custo avançar no tempo que beirava a hora do almoço. Subiam calçadas, cortavam os outros carros. Os manifestantes se abrigavam do sol, bebiam água. Duas realidades em uma mesma cidade, duas realidades que, infelizmente, não se tocam. O calo estava nos manifestantes, os que têm teto os ignoram, gestores, por vezes, os ignoram.
Cheguei em casa com o calo na minha cabeça. Como está o déficit de moradia? Na internet, vi uma reportagem, de 2019, informando que Fortaleza tinha, naquela época, 130 mil famílias sem moradia adequada, e que mais de 1,4 mil pessoas haviam buscado assistência jurídica na Defensoria Pública. A falta de um espaço salubre para morar e os pedidos de aluguel social estavam liderando os atendimentos naquela instituição responsável pela promoção de direitos humanos, defesa de direitos individuais e coletivos de necessitados e agrupamentos sociais em condição de vulnerabilidade.
Em outra notícia, de 2020, li que o Ceará é o terceiro estado do Nordeste em déficit habitacional, com carência de 335.370 unidades, ficando atrás somente da Bahia (- 555.635 habitações) e do Maranhão, com necessidade de 403.635 moradias. O levantamento foi feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto à Ecconit Consultoria Econômica. O Nordeste é a região brasileira que lidera o déficit habitacional no País, concentrando 34,8% da falta de moradias no Brasil, devido à coabitação gerada pela quantidade de famílias sob o mesmo teto.
"O calo no sapato daqueles manifestantes é a falta de teto, e esse direito não consumado deveria incomodar a todos nós que estamos lendo este artigo confortavelmente sob um teto. No mínimo deveríamos demandar mais dos políticos que elegemos e dos gestores públicos"
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Busquei dados no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. No artigo “Quando morar é um privilégio, a insurgência é a ordem/A garantia do direito à moradia é a porta de entrada para a consecução dos outros direitos sociais”, de junho de 2002, são citados dados da Fundação João Pinheiro. Entre eles, o déficit habitacional do país, que somava 6 milhões, em 2019. O texto aponta que este número é composto de pessoas que não têm ou vivem em condições precárias de moradia, como ausência de sanitários. E que a pandemia agravou a realidade, assim como gerou aumento do custo de vida e crescimento do desemprego e da informalidade.
Duas questões do artigo me chamaram atenção, de forma especial. O risco de moradia, de acordo com estudos da Campanha Despejo Zero, cresceu 655% na pandemia. E o fato de que, entre os que conseguem moradia, cerca de 30% de sua renda estarem sendo consumidos neste item, inviabilizando que outros direitos sejam efetivados.
Voltando à manifestação que vi próximo ao Palácio da Abolição, o que todas aquelas pessoas querem lembrar aos que têm teto, é que, desde 1948, o direito à moradia foi considerado como fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, o reconhecimento a este direito se deu há 23 anos, com uma Emenda Constitucional.
O calo no sapato daqueles manifestantes é a falta de teto, e esse direito não consumado deveria incomodar a todos nós que estamos lendo este artigo confortavelmente sob um teto. No mínimo deveríamos demandar mais dos políticos que elegemos e dos gestores públicos.
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