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Déficit de moradia e a não consumação de um direito
Foto de Ana Márcia Diógenes
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Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza

Déficit de moradia e a não consumação de um direito

O calo da falta de teto não deveria incomodar só a quem não tem um telhado para chamar de seu, mas a todos os cidadãos
Tipo Opinião
Fortaleza, CE, BR - 26.12.22  - Moradora de rua, sem teto de fortaleza (Fco Fontenele/OPOVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR - 26.12.22 - Moradora de rua, sem teto de fortaleza (Fco Fontenele/OPOVO)

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Dia desses fiquei engarrafada numa manifestação próxima ao Palácio da Abolição, local de trabalho do governador do Estado. Uma das palavras de ordem que escutei foi sobre a necessidade de teto, o tal déficit de moradia que, igual calo, só sabe quem o tem. Alguns motoristas, impacientes, tentavam a todo custo avançar no tempo que beirava a hora do almoço. Subiam calçadas, cortavam os outros carros. Os manifestantes se abrigavam do sol, bebiam água. Duas realidades em uma mesma cidade, duas realidades que, infelizmente, não se tocam. O calo estava nos manifestantes, os que têm teto os ignoram, gestores, por vezes, os ignoram.

Cheguei em casa com o calo na minha cabeça. Como está o déficit de moradia? Na internet, vi uma reportagem, de 2019, informando que Fortaleza tinha, naquela época, 130 mil famílias sem moradia adequada, e que mais de 1,4 mil pessoas haviam buscado assistência jurídica na Defensoria Pública. A falta de um espaço salubre para morar e os pedidos de aluguel social estavam liderando os atendimentos naquela instituição responsável pela promoção de direitos humanos, defesa de direitos individuais e coletivos de necessitados e agrupamentos sociais em condição de vulnerabilidade.

Em outra notícia, de 2020, li que o Ceará é o terceiro estado do Nordeste em déficit habitacional, com carência de 335.370 unidades, ficando atrás somente da Bahia (- 555.635 habitações) e do Maranhão, com necessidade de 403.635 moradias. O levantamento foi feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto à Ecconit Consultoria Econômica. O Nordeste é a região brasileira que lidera o déficit habitacional no País, concentrando 34,8% da falta de moradias no Brasil, devido à coabitação gerada pela quantidade de famílias sob o mesmo teto.

"O calo no sapato daqueles manifestantes é a falta de teto, e esse direito não consumado deveria incomodar a todos nós que estamos lendo este artigo confortavelmente sob um teto. No mínimo deveríamos demandar mais dos políticos que elegemos e dos gestores públicos"

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Busquei dados no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. No artigo “Quando morar é um privilégio, a insurgência é a ordem/A garantia do direito à moradia é a porta de entrada para a consecução dos outros direitos sociais”, de junho de 2002, são citados dados da Fundação João Pinheiro. Entre eles, o déficit habitacional do país, que somava 6 milhões, em 2019. O texto aponta que este número é composto de pessoas que não têm ou vivem em condições precárias de moradia, como ausência de sanitários. E que a pandemia agravou a realidade, assim como gerou aumento do custo de vida e crescimento do desemprego e da informalidade.

Duas questões do artigo me chamaram atenção, de forma especial. O risco de moradia, de acordo com estudos da Campanha Despejo Zero, cresceu 655% na pandemia. E o fato de que, entre os que conseguem moradia, cerca de 30% de sua renda estarem sendo consumidos neste item, inviabilizando que outros direitos sejam efetivados.

Voltando à manifestação que vi próximo ao Palácio da Abolição, o que todas aquelas pessoas querem lembrar aos que têm teto, é que, desde 1948, o direito à moradia foi considerado como fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, o reconhecimento a este direito se deu há 23 anos, com uma Emenda Constitucional.

O calo no sapato daqueles manifestantes é a falta de teto, e esse direito não consumado deveria incomodar a todos nós que estamos lendo este artigo confortavelmente sob um teto. No mínimo deveríamos demandar mais dos políticos que elegemos e dos gestores públicos.

Foto do Ana Márcia Diógenes

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