Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Foto: Acervo Ana Márcia Diógenes
Capa do livro do escritor Clauder Arcanjo
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Quando a gente entra com um objetivo específico em um lugar, poucas vezes se atenta para detalhes. É capaz de não saber dizer depois a cor das paredes, do balcão, a farda do vigilante. Acontece com todos. Mas, alerto: outras vezes, nesses mesmos lugares, em dias mais desafogados, nossos olhos podem nos permitir descobertas que passam a fazer parte da nossa memória afetiva, e nos levam a situações que trazem surpresas e conexões.
Aconteceu comigo numa agência de Correios. Fui várias vezes lá, ano passado, despachar livros que leitores de outros estados compraram. No balcão, explicava que era livro e, por isso, o registro era módico, mais barato. Uma atendente, a Girlane Silva, bem simpática e acolhedora, me explicou como funcionava, deu dicas. Fomos nos vendo com mais frequência e ela me falou que outro escritor, o Clauder Arcanjo, também ia com muita frequência lá, despachar livros, e que era um estudioso. Eu disse que o conhecia sim, de nome.
O tempo passou, o ano virou, novo livro lançado, novas idas aos Correios. Girlane me chamou de lado, mostrando uma sacola. O Clauder havia deixado um livro para mim, o “Pindaíba”, da editora Sarau das letras, de 2023. Estava sem autógrafo, porque não sabia meu nome todo. Estava lá, há mais de um mês, esperando por mim. Sempre que ele ia, perguntava se eu já havia passado por lá. Fiquei encantada com essa conversa diferente. Escrevi meu nome para que mostrasse a ele. Uma semana depois, me avisou que o livro me esperava, autografado.
"Não saí daquela agência de Correios do mesmo jeito que entrei. Aliás, quero entrar lá sempre com um olhar sossegado, ver Girlane no balcão ou de longe... e imaginar o voo das palavras de tantos escritores e escritoras alinhavando ideias por aí"
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Voltei aos Correios, peguei o livro do Clauder com a letra e os dizeres super bonitos e deixei para ele o “Escritas no feminino”, da editora Caneta de estilo, de 2022, que reúne textos de mulheres de cinco países de língua portuguesa, e no qual estou entre as escritoras brasileiras. Como ele é um estudioso, achei interessante ser este o livro. Clauder e eu não nos encontramos ainda pessoalmente, mas o gosto literário nos aproximou. A gentileza das trocas nos fez conhecer a escrita de cada um. Aliás, nos conhecemos pelo que cada um traz dentro de si e que chega à publicação.
Outra felicitância, em meio a este correio literário, foi ter em Girlane um pombo correio, que costura encontros, que faz o livro de um chegar à mão do outro, que avisou aos colegas que se eu chegasse por lá, e ela tivesse na parte administrativa, a chamasse, que guardou uma sacola com o livro por mais de um mês. Descobri que ela adora ler, gosta de saber que livros estão voando pelo mundo, sendo entregues em vários endereços por aí. Ao saber que gostava de ler, levei para ela e autografei a minha gratidão no “Reze que meus pés não apontem para você”, um conto longo independente que escrevi este ano.
Não saí daquela agência de Correios do mesmo jeito que entrei. Aliás, quero entrar lá sempre com um olhar sossegado, ver Girlane no balcão ou de longe, na parte administrativa, e imaginar o voo das palavras de tantos escritores e escritoras alinhavando ideias por aí. Lembrar que é quando a gente para, por minutos que seja, para conversar, ouvir, imaginar vidas e suas histórias, é que os detalhes que nos rodeiam são percebidos.
E que só assim é que a gente consegue uma brecha para dar à nossa natureza humana a chance de se enraizar na terra e sonhar possibilidades de ser mais que uma mão que apenas empurra uma porta. Se nos investirmos só do despachar, comprar, pagar, o tic, tac do tempo leva nossas delicadezas para o ralo. Sejamos presença.
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