Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Foto: Carlos Macedo/Divulgação
Jeferson Tenório é autor de O avesso da pele
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Duas situações recentes me trouxeram a questão de que a arte – me refiro à que é gerada a partir das palavras – incomoda muitos, mexe em princípios conservadores e em dogmas religiosos a tal ponto de parecermos voltar à Idade Média.
Não é exagero. No ápice daquela época, os livros que chegavam às pessoas eram os que passavam pelo crivo da religião. As publicações censuradas, consideradas hereges, eram queimadas. Desde antes de Cristo (para os que contam no tempo da religião católica) isso acontece. Uma Dinastia da China, por exemplo, queimava livros, perseguia e matava intelectuais, entre 213 e 206 a.C. Quase 2.300 anos depois, mesmo em um mundo de relações digitais, a fórceps, no grito, por decreto, pela grana, o conservadorismo afia as garras da censura.
Um dos assuntos dos últimos dias foi a censura ao livro O avesso da pele, de Jeferson Tenório, incluído no Programa Nacional do Livro Didático, em 2022. O tsunami conservador começou quando um ofício da Secretaria de Educação do Paraná determinou o recolhimento de todos os exemplares do livro. Justificativa: iria ser submetido à análise pedagógica.
No livro são abordados racismo estrutural, violência policial e críticas à educação no Brasil. Em entrevistas, o autor esclarece que cenas de agressão e palavrões utilizados estão contextualizados, acompanhados de reflexão. Mesmo tudo referendado, alguns setores “preferem” que estes assuntos não sejam veiculados. Goiás e Mato Grosso do Sul seguiram a deixa do Paraná.
Outro escritor vítima de censura foi Airton Souza, de Marabá (Pará), vencedor da edição 2023 do Prêmio Sesc de Literatura, um dos mais importantes na literatura brasileira. A história do seu livro Outono de carne estranha se passa no garimpo de Serra Pelada, nos anos 80. Aborda questões sociais, reúne fatos históricos e ficcionais, o relacionamento de dois garimpeiros que se apaixonam e um padre, no dilema com a batina.
Episódios de homofobia e censura foram relatados pelo autor em reportagens e nas suas redes sociais. Segundo Airton, os fatos começaram quando ele leu um trecho do livro na Festa Literária de Paraty (Flip), onde estava o diretor-geral do Sesc, que não teria gostado. O autor cita tentativas de que seu prêmio fosse retirado. Um dos criadores do Prêmio Sesc, Henrique Rodrigues, teria sido demitido por apoiar o autor.
Mas, o que alivia toda esta censura contra a literatura é que as “dinastias” que atentam contra a democracia têm, como corrente contrária, o imenso telefone sem fio que é a internet. De acordo com a revista Carta Capital, em notícia da última segunda-feira, dia 11 de março, as vendas de O avesso da pele cresceram mais de 1.400% após os chiliques dos três estados.
Muito importante também a nota publicada pelo Grupo Editorial Record manifestando incômodo em relação à gestão do prêmio e pedindo explicações, uma vez que a imparcialidade era um de seus destaques da premiação. O livro de Airton conseguiu chegar à 2ª tiragem em menos de um mês após o lançamento.
O fato é que a censura e o conservadorismo não podem ser varridos para debaixo do tapete em uma democracia. Têm que ser enfrentados. Quanto mais a tentativa de censura pressionar, mais estes livros devem ser lidos.
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