Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
"Vovó, quando você vem?" Não sei o que dizer. Não posso visitar meus netos. Eles moram na Califórnia e brasileiros não podem entrar nos Estados Unidos. Nem na Europa. Cerca de cinquenta países não permitem a entrada de brasileiros. Cerca de cento e dez permitem a entrada, com severas restrições. Podemos viajar, sem restrições, para apenas oito países: Albânia, Afeganistão, Macedônia do Norte, Costa Rica, Nauru, Tonga, Eslováquia e República Centro Africana. Nem mesmo nosso irmão Portugal nos aceita. Acho que nem na Síria nos aceitam.
Indesejados, perigosos, uma ameaça, potencialmente transmissores do vírus e sua célere variante que criamos: a amazônica - tudo se conecta. Somos hoje o pior país do mundo em contágios e mortes. Nossos vizinhos tomam providências: nenhum brasileiro entra na Argentina; não há mais voos para o Peru; enviam doses extras de vacina para as fronteiras do Uruguai; a Colômbia proibiu voos do Brasil e para o Brasil, e em Letícia, na fronteira, prenderam e expulsaram centenas de brasileiros: cidade pequena, Letícia teve o triplo de mortes por covid que o resto do país, porque recebia viajantes e produtos brasileiros.
Sabemos as razões dessa desgraça: saímos de casa, não cumprimos o distanciamento, não usamos devidamente a máscara, os hospitais estão no limite, são péssimas a gestão e a comunicação por parte do governo federal. O presidente do país tomou uma decisão trágica: trabalha sistematicamente para disseminar o vírus, pois se convenceu de que a pandemia só vai acabar quando quase todos forem contaminados. Na Holanda tentaram essa "imunidade de rebanho", mas logo perceberam que era uma sentença de morte contra o povo holandês, uma roleta russa, e voltaram atrás. Aqui o presidente diz que não importa quantas mortes, nem quanto sofrimento. Deixou morrerem sabemos quantos seres humanos: Maria, João, José, Paulo, Augusto, Daniel, Carlos, Francisco, Teresa, Dulce, Olga, Sérgio, Aldir, Cristina, Helena... Estoico, cruel, obstinado, farsante, estulto, servil, é contra a vacina, a máscara, o isolamento, os lockdowns e tudo o que comprovadamente barra as chances de o vírus se espalhar.
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O país dos meus netos era o pior do mundo em contágios e mortes por covid. Quando mudaram o presidente, que era outro sujeito estoico, cruel, farsante, obstinado, um vento bom soprou: quase toda a população foi vacinada, mortes e contágios caem drasticamente, a economia está voltando ao normal. Mas brasileiros não são bem-vindos. Mesmo que me deixem entrar, diante do mundo carrego o estigma de ser brasileira. Quando me virem não vão mais sorrir e lembrar o futebol, praias, nossa música popular, calor e hospitalidade. Vão lamentar as queimadas de nossas florestas, o extermínio de indígenas, as aberrantes desigualdades sociais, a corrupção, o comportamento de nossas autoridades que vai do bizarro ao criminoso. Hoje, jornais do mundo estampam fotos aéreas de vastos cemitérios com covas de terra revolvida. Essa é a imagem do triste Brasil. Vamos lutar para sermos um país melhor. "Vovó, estou com saudades do Brasil". Eu também, meu neto.
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