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Falar de amor
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

Falar de amor

Tipo Notícia
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Dia dos Namorados, é bom falar de amor em tempos de ira. Falar do amor para que o amor se realize, acreditar na força onírica da palavra: amor, amor, amor, amor. Se a repetirmos, como um mantra, quem sabe o mal vai embora, amor, amor, amor, amor. Estamos precisando desse antídoto, encher de amor as nossas frases, nossas mãos, nossos olhos, cultivar um amor ao outro maior do que o amor a nós mesmos. Fazer as pazes, meditar, refletir, ajoelhar-se, tornar o mundo melhor, amar, amar, amar.

Mas não é hora de amar, diriam, a hora é de lutar. Cerrar o punho por nosso país não é uma forma de amor? Fomos um povo bonito, admirado, um dos mais felizes, mesmo com nossas desigualdades e injustiças. Samba na favela, Lamento de Pixinguinha, Tom, pandeiro, Zé Carioca, bananas no cabelo, espelho indígena. Deus e o Diabo na Terra do Sol. Um povo musical, acolhedor, tolerante, talentoso, campeão de futebol, dançarino, rítmico, afável, uma gente simpática, aberta, num país sem leis que ia, passo a passo, gota em gota de suor e lágrimas, tornando-se uma utopia tropical, reino do sorriso e da malandragem.

Mas, fomos também um país violento, de guerras, miséria, fome, escravidão, fobias, ódio, crueldade, um país sem educação nem espírito público, cheio de pessoas que têm medo da justiça social porque temem perder cinco centavos. Repleto de sonhos que não se realizam, desvios, soluços, silêncios. Balas. Abriu-se a veia de onde jorra o sangue do homem cordial. Sombras atrás de telas brilhantes debatem sem qualidade, acusam sem provas, juram em falso por verdades, propagam-se as mentiras. Poucos ainda sabem falar, ler, escrever ainda menos. Como saber pensar? O tempo está nos mostrando nosso lado mais bárbaro. Vamos às ruas, com máscaras e amor. Amar faz bem ao país. O Brasil é flor à beira de um abismo, precisamos ter a coragem de ir buscá-la.

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Mas, atenção. Amar é o estado no qual temos mais possibilidades de ver as coisas tal como elas não são, disse o maior de todos os pessimistas, porque o amor não vê com os olhos, mas com o coração, sussurrou o bardo, e todo coração é cálice. Coração bate, sangra, enferruja. E grita, amai, amai, amai. Amar faz bem à imunidade, à prosperidade, faz bem às crianças, aos jovens, adultos, velhos, às florestas e aos bichos, amor inspira, transcende, dá asas ao espírito e nos leva aos cumes. Amar, amar e se entregar aos caminhos pedregosos. Amemos mal rompe a manhã, a todo sombrio anoitecer, assim, jamais o amor se acabará. Nada pode destruir o amor, nem as infâmias, as opiniões, os medos, as blasfêmias. Amai, o amor pode banir a nossa dor e a nossa guerra, a nossa sede e a nossa fome, o nosso desespero, nosso frio.

Amor é água pura que redime, concilia, é a força mais sutil e poderosa do mundo, amor é arma, é a poesia dos sentidos, a cura da ferida, é sobrevivermos a nós mesmos. Indefinível, perturbador, máquina que nutre a pele e o sonho, a esperança, amor, amor, o amor nos mostra como devemos ser a cada instante. Poetas, seresteiros, namorados, amai. Sonhadores, bêbados, amai antes que seja tarde. Amor, amor, amor, amor...

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