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O pão nosso de cada dia
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

O pão nosso de cada dia

Tipo Crônica
1906anaMIRANDA (Foto: 1906anaMIRANDA)
Foto: 1906anaMIRANDA 1906anaMIRANDA

Não é de hoje que ouço dizer: Estava na mesa da sua bisavó? Pode comer. Não estava? Não coma. Fico imaginando a mesa da minha bisavó Evangelina, na fazenda do engenho Riacho de Faca. Rapadura, milho, mandioca, feijão verde, coalhada caseira, ovos caipiras, manteiga de garrafa, café torrado e moído em casa, abóbora, mamão, manga, couve, banana e demais frutas, verduras e legumes do quintal, até torresmo no forno a lenha... e cachaça.

E completam os modernos nutricionistas: Não desembale. Descasque! No lugar de abrir uma caixa de suco processado, pegue duas ou quatro frutas e as esprema. Em vez de um saco de salgadinhos de milho pintados de amarelo, podemos saborear um milho cozido. Não uma sopa de saquinho, mas uma de legumes feita em casa.

O que os nutricionistas e muitos médicos querem dizer é que nós, os poucos felizes que temos como escolher nosso alimento, não devemos comer os industrializados - os economistas, também, os produtos in natura são mais em conta que os processados. Os artistas também, eles mostram que os alimentos naturais são mais belos, mesmo em naturezas mortas - os pop norte-americanos pintavam irônicas latas de sopa, já avisando. Comida enlatada, vida enlatada.

Eu sou o que eu como. Assim, nada de refrigerantes, sorvetes, adoçantes, achocolatados, massas de tomate, biscoitos recheados, embutidos, hambúrgueres, batata frita e todo o fast-food, não devemos consumir produtos industrializados, que são maioria absoluta nas prateleiras de nossos mercantis. Ou, o mínimo possível - não dá para cumprir completamente a "mesa da bisavó". Para muitos, seria uma tortura. Os meninos aqui na aldeia, se ofereço um suco de frutas eles torcem o nariz: querem refrigerante. Foram viciados pelos açúcares e mais elementos nocivos.

Muitas indústrias estão reprogramando seus produtos, não sei se realmente preocupadas com nossa saúde, mas é que cada vez mais consumidores no mundo recusam alimentos cheios de conservantes, estabilizantes, espessantes, corantes, antibióticos, agrotóxicos. A saúde é uma tendência, e um desejo premente em tempo de pandemia. Os governos que pensam na saúde do seu povo e não no bolso dos industriais de alimentos estão legislando, educando.

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Começo de um novo tempo? A maior companhia de alimentos do mundo, a Nestlé, reconheceu que a maioria de seus alimentos e bebidas não é, e não será nunca saudável. Poucos de seus produtos chegam ao nível mínimo exigido por conceituados sistemas de estrelas da saúde. Ela passou adiante a fábrica de salsichas - que, como os acordos políticos, é melhor nem dizer como foram feitos. Nos países mais avançados do mundo em nutrição, trabalham para o alimento ser totalmente orgânico, e incluíram no currículo das escolas a Educação Alimentar.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje... Sinto-me desolada ao falar nisso, enquanto milhões de crianças não recebem nem mesmo a merenda escolar. Mas a alimentação saudável para crianças, jovens, idosos, pobres e ricos, para toda a população, enfim, está nas mãos de fabricantes, governos, médicos, professores, pais... Livrai-nos do mal, amém.

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