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Jardineiros guerrilheiros
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

Jardineiros guerrilheiros

Tipo Crônica
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Ron morava num "deserto alimentar", como ele chamava alguns bairros de Los Angeles: casas cercadas por lojas de bebidas e cadeias de fast food, por todo lado pessoas obesas, tristes. Havia um canteiro com gramado, pontas de cigarro e lixo na sua calçada. Cansado de dirigir quilômetros a fim de encontrar uma maçã sem veneno para seus filhos, decidiu plantar naquele canteiro uma floresta alimentar: pés de laranja, fava, cana-de-açúcar, banana, cebola, manga, romã... "Estou cultivando paz, beleza, humanidade".

Recebeu da polícia um mandado de prisão por plantar na rua sem licença. Juntou-se a ativistas, o movimento causou um grande impacto e eles acabaram conseguindo uma lei municipal que permite o cultivo de plantas em lugares públicos sem necessidade de autorização. Ron Finley virou uma estrela internacional da ecologia. Um "ecolucionário", ele diz. "Sou um jardineiro gangsta".

E transmite mensagens: Cultivar a própria comida é como imprimir o próprio dinheiro. As pessoas que plantam sua própria comida são mais saudáveis, calmas, têm melhores relações familiares. Plantar a própria comida é uma tomada de poder pessoal. Pôr uma semente na terra e ver crescer uma árvore que vai dar frutos pelos próximos 250 anos ou mais, isso é realmente "retorno sobre investimento". "As escolas deveriam ser em jardins". Suas palestras são seguidas por milhões de pessoas, traduzidas para mais de trinta línguas, suas ideias germinaram como poderosas sementes rompendo o asfalto.

Pessoas no mundo inteiro hoje plantam jardins de alimentos em espaços urbanos. São os Jardineiros Guerrilheiros. Enfrentam oposição, em algumas cidades precisam atuar durante a noite, secretamente. A Jardinagem de Guerrilha é um tipo novo de ativismo que consiste em plantar alimentos ou jardins decorativos nos terrenos urbanos. Plantam em baldios, calçadas, sobre viadutos, até em tetos de edifícios. Os Jardineiros Guerrilheiros são pessoas com pensamentos diferentes, desde o ecologista que quer destinar um local ao uso verde, um caridoso que quer dar alimento aos que têm fome, até um politizado que toca na crucial questão da posse da terra.

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Há Jardineiros Guerrilheiros pelo mundo afora. Em Londres, o ciclista Steve Wheen irritou-se com os buracos nas ruas e passou a plantar dentro desses buracos. Em Madri, o grupo Luzinterruptus protege as ervas daninhas que nascem nas fendas em meio ao concreto, além de plantar jardins nas áreas mais cinzentas da cidade. No Rio, porteiros replantam nas árvores as orquídeas deixadas por moradores, muitas ruas da cidade estão floridas, você passa entre um espetáculo de variadas orquídeas que parecem chover dos troncos. Em São Paulo, o artista Rubens Matuck há anos planta árvores em seu bairro, Vila Madalena, que reverdeceu. Em Fortaleza o agricultor Francisco Ferreira plantou uma horta no canteiro central da movimentada avenida Santos Dumont, ali colhe seu alimento: feijão, abacaxi, cebola, coentro, mandioca... não passa mais fome nem tira mais sua comida do lixo. As florestas alimentares urbanas são pequenos gestos que estão a mudar o mundo.

Foto do Ana Miranda

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