
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Theo me disse: se tiver um problema, mostra teu livro e eles te deixam entrar, aqui gostam muito de escritores, atores, artistas... Os brasileiros estão proibidos de entrar em Amsterdã, mas como tenho aqui família nem precisei mostrar o livro. Tive de ficar em quarentena por cinco dias. Uma pessoa do governo me ligava, gentil, falando em português: Tem comida? Está tudo bem? Fiz um teste, o vírus não foi detectado, então me liberaram. Corri feito passarinho para as ruas.
Amsterdã está diferente. Em milhares de canteiros, trepadeiras sobem impetuosas, algumas de folhas grandes e muito verdes, outras são mantos de flores. Paredes, calçadas, barcos, telhados verdejando... Por que essa avalanche de jardins? Descobri: é um projeto da prefeitura que dá dinheiro para os moradores plantarem vergéis, com a intenção de limpar o ar - e ensinar o amor à flora? à rua?
Bares, cafés ocupam as calçadas e por todo lado há abraços, risadas, no sábado comemoraram o adeus às máscaras (só as usam ainda nos trens e ônibus) e o primeiro dia sem nenhuma morte por covid. Não foi fácil controlar a pandemia, os holandeses não admitem perder a liberdade pessoal, são rebeldes, obstinados. Fizeram "confinamento inteligente" e vacina. O primeiro-ministro aqui é um adorável democrata conservador de direita. Vai de bicicleta para o trabalho, raramente pega seu carro, um Saab velho. Dia destes derrubou café no chão do Parlamento e pediu emprestado o pano da faxineira, limpou a sujeira que fez. Mora no mesmo apartamento de quando se formou na universidade, dá aulas de civismo como voluntário em uma escola. Queria ser pianista, formou-se em História. Segue os princípios mais arraigados da Holanda: austeridade, integridade, distinção e tolerância. Orgulha-se de garantir o bem-estar sobretudo das crianças - subentende os vulneráveis. Tem 1,93m.
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Andando nas ruas, me espanta a quantidade de pessoas com perto de dois metros de altura, dizem que é o leite e a baixíssima desigualdade social. Mas, acho que eles pedalarem tanto bicicleta ajuda. Magros, leves, parecem mutantes. Às vezes me sinto em outro planeta. Claro, aqui também há bandidos - acabaram de atirar em um jornalista que investiga o crime organizado - mas eles não estão no Poder. Logo, o primeiro-ministro, o ministro da Justiça, o rei e a rainha foram a público falar a favor da liberdade de imprensa.
Além dos mais de cinquenta grandes museus, bem cuidados, com filas nas portas, há centenas de pequenos: museu do queijo, do cachimbo, da bolsa, da vaca, da tulipa... Impressiona o carinho com que este país cultiva as artes, fabulosas fontes de riqueza. E a memória. O que é antigo tem mais valor. Um de meus passeios favoritos é à feira Noordermarkt de velharias: roupas, porcelanas, sapatos, botas, chapéus, luzes, livros, gravuras, chaves, sapos alegres, moedores de café... Mas o maior espetáculo é mesmo olhar as pessoas que passam nas ruas, gente do mundo todo, a beleza da diversidade. Aqui seria um bom lugar para certos governantes aprenderem a governar. Mas, dizem as más línguas, eles viajam só para beber cachaça.
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