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A Águia de Haia
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

A Águia de Haia

Tipo Crônica
1707_V&A_Prancheta 1 (Foto: Isac Bernardo)
Foto: Isac Bernardo 1707_V&A_Prancheta 1

A caminho de Tilburg, há uns anos, passamos pela cidade de Haia, a capital da Holanda. Quando o trem se aproximava e vi as placas - eles escrevem Den Haag - lembrei-me de Rui Barbosa e contei, com orgulho, a história de quando ele foi representar o nosso país na Conferência de Paz em Haia, em 1907, para a criação de um tribunal internacional de Justiça. A ideia dominante era que apenas as potências - Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos - fariam parte do Tribunal. Mas Rui Barbosa defendeu o princípio de igualdade jurídica entre nações soberanas.

"No Palácio da Paz, no meio das maiores figuras da diplomacia e da política mundiais, o modesto baiano desconhecido iria se transformar num símbolo portentoso", diz o cineasta Humberto Mauro que lhe dedicou um filme. "Recebido com indiferença, quase com desprezo, em pouco dominava a delegação e influía no conclave pela força de sua fé, de seu caráter, de seu talento." Junto a algumas das maiores mentes do mundo, Rui Barbosa criou os fundamentos para a Corte Permanente de Justiça, e o fez com tanta habilidade e erudição que retornou com o título de um dos Sete Sábios de Haia. O povo o recebeu como herói. Rui Barbosa cometeu seus erros, mas foi um brasileiro que nos honrou.

Desta vez, a caminho da encantadora cidade de Delft, quando o carro passou por Haia fiquei cabisbaixa. Haia não me lembra mais a história do homem inteligente que disse no discurso: "Vi as nações do mundo reunidas e aprendi a não me envergonhar da minha". O que Haia lembra nos dias de hoje é o estigma de termos um brasileiro como réu.

Há dois tribunais internacionais permanentes, um que julga pessoas, o de Haia; o outro julga Estados e faz parte da ONU. O Tribunal de Haia começou em 2002 e legisla sobre os 123 países que assinaram seus termos, entre eles o Brasil. Julga crimes de genocídio, agressão, de guerra e contra a humanidade. Recentemente declarou que dará prioridade a julgamentos de crimes ambientais.

Até hoje, julgou 28 casos e houve quatro condenações: os congoleses Lubanga, que recrutava crianças à força para guerrearem; Katanga, pelo massacre na vila de Bororo; o general Ntaganda por crimes de guerra e contra a humanidade; e o professor malês al-Mahdi, por destruir monumentos históricos e religiosos em Timbuktu. Há denúncias sendo investigadas em outros países como Afeganistão, Quênia, Burundi, Bangladesh, Mianmar, Geórgia, Iraque, Colômbia, Palestina, Ucrânia, Venezuela...

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E agora o presidente do Brasil é acusado de genocídio dos nossos povos indígenas, de crimes ambientais e crimes contra a humanidade. São cinco denúncias contra Bolsonaro. Ele chegou a receber um recado de seu amigo, o ex-primeiro-ministro Netanyahu, no qual lhe diz que as chances de ser investigado são reais. Soturno, o israelense oferece apoio em troca de apoio em sua defesa contra acusações de corrupção, fraude, abuso de poder, suborno. E marejei os olhos, pensando que uma condenação em Haia e a prisão de Bolsonaro não vão reverter nem redimir as atrocidades cometidas contra nossos povos indígenas, nossas florestas, nossa população.

Foto do Ana Miranda

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