Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Foi impressionante ver os nossos povos indígenas dançando na Praça dos Três Poderes, numa luta por suas terras. Lutaram dançando e cantando. Eram mais de seis mil índios de todos os lugares. Estavam numa luta por sua sobrevivência. Dançavam em roda batendo os pés, marcavam o tempo forte, faziam movimentos quase hipnóticos, cantavam, emitiam sons repetitivos, eloquentes, profundos. Dançaram debaixo de um temporal, o seu suor escorreu com a água pela terra que um dia foi sua.
Tudo aquilo dizia quem eles são. Como são. Sua história, suas dores. Seus sonhos. Enquanto esperavam, eles dançaram, enquanto perós julgavam seus direitos eles dançaram, enquanto os mamõyguara discutiam leis eles dançavam e dançavam... sem acolhimento, sem que alguém lhes armasse uma tenda, ou lhes servisse água, uma merenda. O nome Três Poderes me pareceu tão absurdo! As pessoas em volta olhavam, em silêncio, magnetizadas, apontavam suas câmeras, e as danças de luta, danças de sobrevivência, correram o mundo.
Lutar por sua sobrevivência, ou simplesmente lutar, por meio da dança e do canto é uma sabedoria que os indígenas nos ensinam. A dança une, tanto pelo ritmo que bate junto ao coração, como pelo movimento do corpo, que traz energia e prazer. Sempre é impressionante ver os indígenas em seus rituais, fui uma vez assistir aos Kaxinawas dançando numa oca construída em uma floresta do Rio de Janeiro. Era um círculo largo de kaxinawas que iam batendo e arrastando os pés, numa simplicidade, calma e doçura que me comoveram, ainda mais me partiu o coração uma indiazinha, que fiquei imaginando ela ser Jarina, a personagem de meu romance indígena. A dança era constante, longamente estendida pela noite lua acima e lua abaixo, os dançarinos incansáveis, cada vez mais imersos e suaves. Eu quis dançar, mas fiquei magnetizada, olhando, como as pessoas na Praça dos Três Poderes.
Eles dançam para homenagear pessoas mortas, para expulsar doenças e males, espantar maus espíritos, atrair os bons, para agradecer a colheita, a boa pesca e a boa caça, para marcar a passagem de um jovem para a idade adulta, ou preparar uma guerra. Danças são a conexão com as entidades e espíritos da floresta. Dançam para os matos, os rios, os animais. Celebram as flores que vão desabrochar, a troca das folhas das árvores, a reprodução dos peixes, a chegada da chuva... dançam com a natureza, que faz parte do seu ser.
Devemos dançar, como eles, para afastar os maus espíritos e atrair os bons, dançar ao nascer do sol, homens e mulheres. Lado a lado, adornados com cocares de sonhos, colares de lágrimas, a justiça amarrada nos pés. Devemos dançar para evocar as entidades do clima, da igualdade, da natureza. Devemos dançar a Dança da Onça, que celebra um bravo jovem caçador que matou a onça com as próprias mãos, temos de matar onças com as nossas mãos todos os dias. Devemos dançar com eles a dança de sobrevivência na Praça dos Poderes do Povo, que era contra o marco temporal. Vi numa fotografia a cacique Culung Teie, do povo Xokleng Konglui, ajoelhada a chorar de emoção. Ha'evete amados indígenas.
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