Logo O POVO+
Romance de computador
Foto de Ana Miranda
clique para exibir bio do colunista

Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

Romance de computador

Tipo Crônica
0210anaMIRANDA (Foto: 0210anaMIRANDA)
Foto: 0210anaMIRANDA 0210anaMIRANDA

A humanidade não anda muito bem da cabeça, não. Aconteceu que um livro escrito por um computador chegou a finalista de um prêmio literário, no Japão. Aqui vai um trecho do livro: "Eu me contorci de alegria, que eu experimentei pela primeira vez, e continuei a escrever com emoção. O dia em que um computador escreveu um romance. O computador, colocando prioridade na busca de sua própria alegria, parou de trabalhar para seres humanos". E diz um escritor humano que o romance é bem estruturado, só falha ao descrever personagens.

Computadores estão sendo programados para escrever romances, contos, poemas, minicontos de apenas uma frase, como "Um pianista percebe que virou um jogo de palavras-cruzadas, e a vida segue". Robôs escrevem em diferentes escolas literárias, como o realismo mágico, mas sem nem um milésimo do encanto dos romances de Garcia Márquez. Dizem que são razoáveis os autores computadores que escrevem ficção científica. Eles podem descrever com detalhes astros que não existem, criam dicionários de neologismos, um computador poeta escreve tuites em pentâmetros iâmbicos, ao modo de Shakespeare.

Alguns computadores romancistas se alimentam de milhares de livros dos grandes autores humanos, para criar um romance que se torne um clássico. Já há computadores jornalistas que publicam seus artigos em jornais. E cronistas. No The New York Times um computador cronista escreveu, para a coluna Modern Love, crônicas sobre como é o amor nos dias de hoje. Mas quando é que um computador vai fazer uma análise política clara, elegante, profunda, como as da Dorrit Harazim, ou uma crônica com a poesia e o ímpeto das crônicas ecológicas de Demitri Túlio? Jamais? Computadores são bons para escrever relatórios financeiros, descrever jogos de futebol, reportar o mercado financeiro. Estão usando jornalistas computadores para darem com precisão as notícias de desmatamento e queimadas na Amazônia.

Há computadores tradutores, biógrafos, revisores... Há sites que geram contos de realismo mágico latino-americano, há os que compõem sonetos, poemas a partir de uma mitologia recorrente, há os que criam planetas ficcionais com quantidades de luas e de gelo, há um site para o escritor humano que sofre de bloqueio criativo, propondo uma solução que sugere tramas, ou um lugar, uma comida predileta, um arco de personagens, um conflito... Um que dá ideias de um final de livro, para o autor começar como o João Ubaldo Ribeiro, acho que foi ele quem disse que só começava a escrever um romance quando sabia o final.

Mas, o problema de todo esse esforço de inteligência artificial é que está propondo substitutos para uma profissão que vai muito bem, há escritores humanos formidáveis, maravilhosos, vivos e ativos, nenhum computador do mundo, pelo menos até o ano 5000, vai conseguir escrever um romance como os do Mia Couto, por exemplo. Sentimento, imaginação, vida pulsante... E a beleza da imperfeição? O que anda precisando de substitutos é a postura de estadista - ainda mais agora, que se retirou a chamada última estadista do planeta, a chanceler alemã Angela Merkel.

Leia também | Confira mais opiniões, informações e crônicas exclusivas dos colunistas do O POVO+

Foto do Ana Miranda

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?