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A vida secreta das árvores
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

A vida secreta das árvores

Tipo Crônica
1902anaMIRANDA (Foto: 1902anaMIRANDA)
Foto: 1902anaMIRANDA 1902anaMIRANDA

Ouvi isso pela primeira vez do Egberto Gismonti. Quando criança, ele fazia buracos na terra e via um emaranhado de raízes percorrendo o subterrâneo. Seus tios diziam que eram ligações entre árvores. Depois ele teve um jardineiro que lhe mostrou um filamento percorrendo as raízes, chamava-o de pinho, era uma amizade entre as plantas que servia para elas falarem umas com as outras.

Achei isso tão incrível que fui pesquisar em estudos de cientistas, e encontrei: as árvores realmente conversam entre si. Todas elas se conectam numa incrível rede subterrânea, mesmo as de espécies diferentes. Comunicam-se por meio de uma rede feita por fungos que crescem ao redor e dentro das suas raízes, o micélio. A descoberta dessa rede e a melhor compreensão de suas tarefas reabrem uma pergunta: onde espécies começam e terminam? Já se falava nisso, no século 19. As árvores não são seres individuais. (E nós, humanos, somos?)

Elas trocam nutrientes entre si, árvores-mães alimentam as pequenas, ajudando-as a sobreviver, as que estão morrendo legam seus nutrientes às saudáveis ali perto. Como na humanidade, há árvores do mal. Algumas espalham toxinas para matar as rivais. Outras roubam nutrientes, por exemplo, as belas orquídeas. Como os animais, as árvores têm amigos, sentem solidão, dor. Algumas são bons pais, outras, boas vizinhas, defensoras contra inimigos. Há um sistema social de sobrevivência. As árvores buscam manter vivos todos os membros da comunidade. Quando atacadas, comunicam sua angústia às vizinhas emitindo sinais elétricos pelas raízes.

Sabem reconhecer as árvores amigas, as familiares, os filhos, as árvores ameaçadoras. Elas têm sentimentos e caráter. Têm escolhas. Traçam estratégias de guerra, resolvem problemas, guardam memórias, planejam, criam jogos de sedução para se reproduzir. São seres inteligentes, brilhantes, basta ver a sua abundância, os vegetais são quase a totalidade da biomassa do planeta. Existem desde muito antes dos dinossauros ou de qualquer animal a caminhar por aqui, são campeãs da evolução. E têm sentidos. Visão: medem a luz para orientar o crescimento de folhas e flores. Paladar: detectam compostos químicos, minerais e nutrientes para crescer, ou fugir deles. Olfato: percebem compostos voláteis no ar e os usam para alertar, ou para atrair animais. Audição: algumas são capazes de distinguir o som de lagartas roendo folhas e reagem produzindo óleos tóxicos. Tato: conseguem diferenciar o toque. As raízes detectam água no solo e isso orienta o seu crescimento. São capazes de pressentir uma área porosa ou impenetrável, antes mesmo de chegar ali, e mudam o trajeto. Sentem a gravidade da Terra e a usam para orientar seu crescimento. Sentem os campos eletromagnéticos. São sensíveis a mudanças de temperatura e sabem desligar ou religar genes para se proteger do calor ou do frio. Tomam decisões em grupo, assim como abelhas em uma colmeia, um cardume nadando no mar, ou um bando de pássaros em revoada. Todos agem da mesma maneira e o grupo se move de forma complexa e harmoniosa. Há tanto a aprendermos com a natureza.

Foto do Ana Miranda

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