Logo O POVO+
Hannie e Anitta
Foto de Ana Miranda
clique para exibir bio do colunista

Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

Hannie e Anitta

2805anaMIRANDA (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2805anaMIRANDA

Aqui na Holanda há um ícone contra o nazismo que fascina: é Hannie Schaft, a Ruiva. Ela era estudante quando os alemães invadiram seu país; rebelou-se ao ver judeus deportados. Assim, Hannie se envolveu com a Resistência. Roubava documentos que serviam para judeus fugirem, distribuía panfletos clandestinos... Logo passou a participar de ações mais perigosas, como roubo e transporte de armas, sabotagens. Quando os estudantes foram obrigados a assinar um termo de lealdade aos nazistas, Hannie se recusou e precisou viver como clandestina.

Aprendeu a falar alemão para se aproximar dos nazistas. Em bares e tabernas ela os atraía para a floresta e, antes que tentassem beijá-la, homens da Resistência emboscados os matavam. Hannie ficou conhecida por seus cabelos vermelhos e precisou pintá-los de preto. Capturada por soldados, portando armas e documentos na bicicleta, as raízes vermelhas de seus cabelos a denunciaram; Hannie foi executada e enterrada numa duna. Eles erraram o primeiro tiro. Antes de morrer ela disse: Eu atiro melhor do que vocês.

Freddie e Truus, aos 14 e 15 anos de idade também entraram na Resistência. Eram de família operária, a mãe lhes ensinara a compaixão pelos vulneráveis. Elas cediam a cama para acolher judeus e gays que precisavam fugir. Aprenderam a dinamitar ferrovias, a disparar armas, a vagar sem ser detectadas por nazistas. Trançavam seus cabelos louros e, parecendo meigas crianças, as adolescentes passavam de bicicleta sem serem notadas, levando documentos e armas. Elas incendiaram um armazém nazista, escoltaram crianças e refugiados para esconderijos e, como Hannie, atraíam oficiais da SS para armadilhas mortais. Missões dolorosas; Freddie disse que, após atirar em um inimigo, sentia uma compulsão de ajudá-lo.

Pensando livremente, essas adolescentes lembram o fenômeno de jovens que realizam no Brasil uma espécie de Resistência. São fãs de Anitta, a estrela pop funk que faz lives de educação política, com milhões de seguidores. Ela convoca seus fãs, a maioria dos 14 aos vinte e poucos anos de idade, para participarem da luta. Suas vozes podem mudar o Brasil. Anitta fala sobre racismo, genocídio da juventude, contra o governo; batalha a favor das mulheres. Fez campanha para que os jovens tirassem título de eleitor. Usa em seus protestos sensualidade, música, dança, moda, grana, internet.

Com sua voz afiada e doce, Anitta cria polêmicas ao gravar na Amazônia usando para representar Gaia um sutiã metálico; ou quando exibe sua imagem sem retoques em prol da positividade do corpo; e expõe falhas sociais, como desigualdade, racismo, sexismo. Gravou no morro do Vidigal usando um biquíni de fita isolante, pintou a pele mais escura, trançou os cabelos - invoca a negritude da família paterna e diz que no Brasil ninguém é branco. Bissexual, vegana, seguidora do candomblé, apoia LGBTs. Criticam-na, dizendo que faz por interesse financeiro, mas Anitta luta. Não é de direita nem de esquerda, ela é da coragem de ser quem é. Da felicidade. Atacada por extremistas, age como Hannie Schaft ao ser executada: Atiro melhor do que vocês.

 

Foto do Ana Miranda

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?