Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Algo bonito e importante aconteceu esses dias. Foi publicada a Mundu Sa Turusu Waá: Ubêuwa Mayé Míra Itá Uikú Arãma Purãga Iké Braziu Upé. A Constituição Brasileira traduzida para o nheengatu por indígenas do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, onde essa língua possui mais utentes. Por que o nheengatu, se há no Brasil quase trezentos idiomas indígenas?
Nheengatu, "língua boa", é um desdobrar do tupi antigo chamado de língua brasílica e, logo depois, língua geral. Todos precisavam falar a língua geral. Ela ressoava em casas, ruas, fazendas, mercancias, assim se exprimiam indígenas de diversos povos, e portugueses, franceses, holandeses; era como jesuítas pregavam a catequese; afros escravizados a conheciam. Falava-se a língua geral nas cidades amazônicas, no Grão-Pará, no Maranhão. O português, apenas em documentos e palácios. A língua geral espalhou-se pelo nordeste, desceu a costa. De São Vicente irradiou-se para Minas, Goiás, Mato Grosso e capitanias do sul. A língua geral é nossa língua-mãe.
Por meio dela, o indígena devorava a alma do europeu. O marquês de Pombal, com inteligência maquiavélica, percebeu a força de uma colônia continental a falar uma única língua: a do colonizador. Publicou o Diretório do Índio de 1757 proibindo a língua geral, com punição de morte a quem fosse flagrado falando-a. E engendrou-se um ataque contra qualquer outra língua, com violenta opressão, até que a portuguesa prevalecesse. Mas a língua geral não foi extinta; ao Norte transformou-se no nheengatu, e ao Sul desapareceu apenas no início do século 20, legando-nos o gracioso sotaque caipira.
A Constituição em nheengatu é "um gesto de valorização e respeito" aos indígenas, disse Raminah Kanamari no lançamento da obra, com seus cabelos louros e coroada por um cocar de penas. Raminah é o nome da ministra Rosa Weber dado pelos povos do Javari. A língua é a maior riqueza de uma nação, onde tudo cabe: sentimentos, cultura, anseios, memórias... Fico pensando em como os indígenas vão achar estranha nossa Constituição. Porque a deles incluiria todos os animais e plantas, ventos, chuvas, rios e mares, montanhas e estrelas, entidades, espíritos, mitos...
Como o Brasil seria, se nossa língua fosse a brasílica? Perdemos essa raiz, mas ela renasce e pode conviver com o belo idioma que aprendemos a amar, flor de Camões, Vieira, Pessoa, Saramago... Temos a Bíblia em nheengatu; o Hino Nacional; livros de histórias. Em São Gabriel da Cachoeira é língua cooficial, assim como no município cearense de Monsenhor Tabosa, a ser adotada nas escolas. É opção para quem usa celulares Motorola. A Biblioteca Nacional, em mãos do poeta Marco Lucchesi, amante das línguas - ele domina mais de vinte idiomas - incluiu tradição oral ancestral entre categorias de prêmio literário. Fabuloso! Há cursos, professores, maravilhosos estudos como os de Eduardo Navarro, ativistas, coletas de lendas, músicas, cantigas de ninar, forrós em nheengatu, rock com o Nheengatu do Titãs; é língua materna de população cabocla, na internet jovens falam em nheengatu... Pouco a pouco, povos de origem abraçam seus lugares e sonhos. Puranga ara!
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