
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Lembro quando eu era menina e desmontávamos a árvore de Natal, exatamente este dia, 6 de janeiro, Dia de Reis. Não era um ritual triste, ao contrário, dali vinha a sensação de um ano realmente novo, uma boa passagem para a juventude, e como era dia de simpatia da romã, podíamos fazer três pedidos. Eu acreditava, piamente, que seria atendida porque "magos" significava para mim que os reis eram bruxos. Estava longe de imaginar que a palavra nomeava, na verdade, discípulos de uma seita que cultuava um só Deus.
Não lembro os pedidos que eu fazia, talvez um namorado, notas boas em matemática, uma caixa de pastel oleoso, férias na fazenda mineira a chupar jabuticabas e andar a cavalo... naquele tempo o mundo era pequeno, um pouco maior do que o caminho de casa até a escola, que as estradas poeirentas no entorno onde passavam furtivos lobos-guarás. O resto do planeta era vago, feito de luzes trêmulas na tevê; distante, mas verdadeiro. Mentir era pecado.
E lá íamos, as meninas e moças da casa, fazer a simpatia. A romã é símbolo da fecundidade, da fartura e do amor; nem sei onde encontrávamos uma fruta tão rara e bela, naquela cidade plantada no meio do Cerrado. Eu abria a romã, tirava as sementes e fazia os três pedidos para o ano que começava. Dizem que temos de pensar nos pedidos e recitar: Eu te saúdo rei Gaspar e te peço que me dê para ter e para dar; chupar o primeiro caroço de romã e fazer o primeiro pedido. Eu te saúdo rei Baltazar... e fazer o segundo pedido, o mesmo com o terceiro rei, o velho Belquior.
Eu não sabia as orações, talvez por isso meus desejos nunca fossem realizados, quiçá um ou outro, por coincidência, pela força mágica das palavras, da inocência que nem sabíamos existir em nós. Mas, acreditar que podemos demandar e obter, já é uma graça. Confesso que ficava um pouco embaraçada, os pobres reis já tinham dado presentes ao Menino Jesus, eu pensava se não era exploração fazer-lhes pedidos, depois de viajarem tanto sacolejando no dorso de camelos ainda tinham de espalhar presentes pela suplicante humanidade cristã.
Aqui em Amsterdã a maioria das árvores já está desmontada. Sei disso porque na esquina tem uma calçada larga com uma placa: Deposite aqui sua árvore de Natal entre 27 de dezembro e 6 de janeiro. E a montanha de pinheiros com folhas amareladas veio aumentado a cada dia, eu via pela janela pessoas arrastando a árvore atrás de si e jogando-a no monte. Vamos começar o ano, parece tudo dizer. Amanhã virá um trator para retirar as árvores quase secas, imprestáveis, e tudo vai voltar ao que era.
Escrituras Cristãs afirmam que os Reis Magos vieram de terras distantes do Oriente para aclamar Jesus em Belém. Significavam a salvação para todos os povos, não só para os judeus. Ó bondosos Santos Reis, ajudai-nos, amparai-nos, protegei-nos e iluminai-nos! Importante era guardar alguns caroços da romã na bolsa, engolir outros. Se eu não lembro os desejos da adolescente, ao menos sei os pedidos que faria hoje, ao abrir uma romã e ver o milagre da natureza feito de sementes belamente encarnadas: Paz, entendimento, amor no imenso mundo.
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