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Bebês reborn: odiar mulheres sempre esteve na moda
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Cientista política, professora e pesquisadora. Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí, pesquisa políticas públicas. Faz parte da Red de Politólogas e da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Escreve sobre política, literatura e psicanálise

Bebês reborn: odiar mulheres sempre esteve na moda

Não me parece acaso que o tema permaneça em alta após tanto tempo e sustentado por notícias falsas e discursos de ódio, essa é uma fórmula já conhecida da extrema-direita nas redes sociais controladas por big techs
Bebes reborn na maternidade (Foto: Arquivo Pessoal/Alana Babys)
Foto: Arquivo Pessoal/Alana Babys Bebes reborn na maternidade

Desde que a pauta de bebês reborns ressurgiu, evitei a polêmica, pois lembro que anos atrás houve um boom semelhante e achava que passaria rapidamente, como da outra vez. Ledo engano. O assunto seguiu em alta por dias, que se tornaram semanas e, além dos posts duvidosos nas plataformas, surgiram matérias estrambólicas como "projeto de lei para proibir atendimento de bebês reborn no SUS" ou "projeto de lei para atendimento em saúde mental para pais de bebê reborn", obviamente sem comprovação. Nessa escalada, discursos misóginos associando colecionadoras à loucura, explicações psicologizantes sobre o suposto desejo pela maternidade, e, principalmente, a degração através da piada.

Então acho que alguns parágrafos de reflexão talvez sejam úteis. Não me parece acaso que este tema permaneça em alta após tanto tempo e sustentado por notícias falsas e discursos de ódio, essa é uma fórmula já conhecida da extrema-direita nas redes sociais controladas por big techs. Ou vocês acham que tanto conteúdo sobre bebês reborns aparecendo na timeline é do nada? A explicação disso é o algoritmo.

A quem interessa o pânico moral sobre mulheres colecionando bonecas? Para respondê-la escolho olhar sobre os ombros das pesquisadoras que me antecederam. Silvia Federici, historiadora italiana, nos apresenta em "Calibã e a bruxa" a história pouco contada da caça às bruxas, que foi precedida de um ambiente social de degradação das mulheres. Antes de nos queimarem em fogueiras houve mudança cultural para o enclausuramento no ambiente doméstico, a desmoralização de práticas e conhecimentos femininos e o disciplinamento através da violência, inclusive sexual.

Também não é ao acaso que uma experiência de nicho - para cada 120 bonecas vendidas no mundo, 1 é um bebê reborn - seja alçada como uma crise de saúde mental, porque o ponto é justamente aquele que nos mostrou Federici. Em 2023 o Brasil registrou o menor número de nascimentos em 50 anos e a tendência é de queda. Essa informação me parece relacionada aos discursos de que as mulheres estão loucas, que colecionar bonecas é patológico, até chegar ao "por que não têm filhos de verdade?".

O hype com bebês reborn está na esteira do crescimento de conteúdos que apelam a um retorno ao conservadorismo dos papéis de gênero, como "trad wifes", "red pills" e demais coaches de masculinidade, "incels" e a machosfera que propaga mensagens de ódio e de submissão de mulheres a um suposto destino biológico. E os algoritmos das redes sociais, sabidamente construídos para engajar através do ódio, fazem a vez de praça pública para a degradação. Nada novo no front, em especial o prazer que tantos têm em odiar mulheres.

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