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O sem limites da ficção bolsonarista
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Cientista política, professora e pesquisadora. Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí, pesquisa políticas públicas. Faz parte da Red de Politólogas e da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Escreve sobre política, literatura e psicanálise

O sem limites da ficção bolsonarista

Em vez de discutir o que tem algum lastro com a realidade, nos vemos obrigados a rebater óbvias distorções, porque, através das plataformas, as mentiras ganham espaço e volume
Tipo Opinião
Presidentes Luiz Inacio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos (Foto: EVARISTO SA e SAUL LOEB / AFP)
Foto: EVARISTO SA e SAUL LOEB / AFP Presidentes Luiz Inacio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos

A notícia que abriu a semana foi o telefonema entre os presidentes Trump e Lula, a primeira conversa após as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros aconteceu dias depois do encontro nos corredores da ONU, quando Trump declarou que teve uma "ótima química" com Lula.

Segundo o governo brasileiro, a conversa desta segunda-feira foi positiva, houve a promessa de um encontro presencial e a designação do Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, para dar sequência às negociações comerciais. Diante dos fatos, bolsonaristas logo trataram de explicar que Trump ao indicar Rubio, que ocupa o cargo equivalente ao de Ministro de Relações Exteriores, está ajudando Bolsonaro e que esta seria uma "jogada de mestre", pois o responsável pela diplomacia não foi designado para tal, mas para o oposto.

Ou seja, sob a ótica bolsonarista, o presidente dos EUA está jogando contra a economia do próprio país para pressionar um outro governo a respeito da atuação do judiciário, que, ora vejam só, é independente do executivo, tal qual preconizou Alexander Hamilton, um dos autores dos famosos artigos federalistas, escritos no século dezoito para ratificar a Constituição norte-americana. Para os seguidores do inelegível e condenado Bolsonaro, em 72h a solução milagrosa há de chegar.

Me pergunto como essa interpretação parece plausível, como é possível que uma parcela significativa da população acredite nos lunáticos que esbravejam nas redes sociais. Sendo cientista política não deixo de me chocar com as ficções que o bolsonarismo forja, teorias da conspiração são criadas e transmitidas, repetidas à exaustão, criando uma realidade paralela, e os parâmetros mínimos para o bom senso e inteligibilidade faltam.

Este é apenas o exemplo mais recente, o bolsonarismo é uma ideologia que rompe os limites da percepção compartilhada, não por acaso, levou pessoas a rezarem para pneus, acamparem em quartéis, invadirem e depredarem as sedes dos poderes em Brasília sob a promessa de uma intervenção militar para reverter o resultado das eleições. Já é absurdo que tenha acontecido, mais absurdo ainda é que parlamentares articulem votar anistia para tais atos.

Então, ao invés de discutir o que tem algum lastro com a realidade, nos vemos obrigados a rebater óbvias distorções, porque, através das plataformas, as mentiras ganham espaço e volume. Nos vemos diante do incontornável: parte da população está capturada. Não sabemos como romper com o controle da extrema-direita sobre essas pessoas. E sinto em dizer, ano que vem será pior. Mais uma vez, a eleição será sobre manter a democracia ou abandoná-la de vez. Apertem os cintos, porque estamos em rota de colisão com o sem limites da ficção bolsonarista.

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