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Dois passos à frente, um atrás: a homossexualidade como doença
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Dois passos à frente, um atrás: a homossexualidade como doença

Na Espanha, a goleira Alba Aragón, do CAP Ciudad de Murcia, foi a um hospital fazer exame ginecológico de rotina. Em vez do serviço básico, recebeu uma dose gratuita de LGBTfobia
A goleira Alba Aragón com o laudo que aponta que ela possui
Foto: Reprodução A goleira Alba Aragón com o laudo que aponta que ela possui "doença homossexual"

Existe um pressuposto sobre assédio que, por vezes, acaba passando batido diante dos absurdos do dia a dia. Para caracterizá-lo precisa haver uma hierarquia entre as duas partes. A leitura mais simples é a de que se resume ao trato entre chefe e empregado. Mas outras nuances existem. Em um hospital, por exemplo, as figuras de autoridade são médicos.

A goleira Alba Aragón, do CAP Ciudad de Murcia, em Murcia (Espanha), foi ao hospital Reina Sofía na segunda-feira, 4, para exame ginecológico de rotina. Aos 19 anos e lésbica assumida e bem resolvida há quatro, ela comentou abertamente sobre a orientação sexual — afinal, a informação podia ser relevante para o procedimento. Perguntada, ela autorizou que a informação constasse na ficha dela. "O que eu não esperava é que aparecesse no relatório literalmente como uma doença", declarou a goleira.

Não importa o quão forte, o quão bem resolvida a pessoa seja. Uma violência como essa é chocante — pelo menos para a nossa geração. Até 17 de março de 1990, a "condição homossexual" constava na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS) — esse órgão que extremistas negacionistas hoje chamam de comunista. Efetivamente, isso significava que a identidade homossexual era passível de "cura", algo inexistente.

A sociedade cresceu a ponto que o absurdo vivido por Alba Aragón seja visto como o que é. Vem de uma autoridade, o médico, que, segundo fonte no hospital citada por matérias de jornais espanhóis, costuma entregar tal "diagnóstico". Ou seja, ela ignora qualquer ensinamento para impor uma arbitrariedade ideológica (ou religiosa, se é que existe alguma diferença). Os acusados alegam erro de uma máquina. Argumento conveniente.

No Brasil, isso não soa novidade. Médicos negacionistas desfilam na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga dezenas (centenas? milhares?) de absurdos relacionados ao trato da crise da Covid-19, amparados por um governo negacionista. O limiar entre a incompetência e a má intenção é cada vez mais borrado.

Mas, a repercussão negativa para o médico, para o hospital e para o Ministério da Saúde da Espanha mostram o fio da esperança. Evoluímos, uns mais que outros. Alguns assuntos que eram tabu viraram discussão aberta.

Alba Aragón não deveria sofrer LGBTfobia em canto nenhum. Nem num consultório médico, nem num estádio. Nas nossas arenas, cânticos homofóbicos ainda vazam vez ou outra — como o do Flamengo contra o Grêmio. Hoje, porém, as minorias têm voz para denunciar. Eu que o diga.

Tanto no caso recente brasileiro, denunciado pelo Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, quanto no espanhol, criticado pelo Coletivo Galactyco, a força unida de um grupo oprimido se posicionou frente a um conjunto de poder. 

É nessas horas que vemos que unidos somos mais fortes.

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