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O Brasil insiste em não superar a infantil homofobia com o número 24
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

O Brasil insiste em não superar a infantil homofobia com o número 24

O "número do veado" no Jogo do Bicho é evitado por clubes e até pela seleção em pleno 2021, em cena vexatória para qualquer pessoa com cérebro perfeitamente funcional
Atacante Gabigol com a camisa 24 no jogo Flamengo x Boavista, no Maracanã, pelo Campeonato Carioca 2020 (Foto: Alexandre Vidal / Flamengo)
Foto: Alexandre Vidal / Flamengo Atacante Gabigol com a camisa 24 no jogo Flamengo x Boavista, no Maracanã, pelo Campeonato Carioca 2020

Um número não indica uma orientação sexual. Uma cor não significa que um homem gosta de homens (ou uma mulher de mulheres). Imagino que isso seja claro dentro da nossa sociedade. Há quem diga que as reclamações do "pessoal identitário" são "mimimi". Frescura, sabe? Isso apesar de o Brasil ser o país que mais mata LGBTs, dos feminicídios que povoam o noticiário a cada dia, do tanto de corpos negros enterrados pela violência a cada dia.

Se o número 24 não indica que alguém é gay, se a cor rosa não significa homossexualidade, o que justifica ainda existir resistência a eles? Imagino que todo heterossexual seja seguro quanto à própria sexualidade — ou seja, pode usar qualquer número sem "desmunhecar", para falar de forma chula. Será que não usam por medo de serem vítimas da homofobia que muitos negam existir?

Você pode dizer que é exagero. E, bem, defender um número de camisa em 2021 é meio ridículo. Estamos há dois anos lidando com uma pandemia, com um governo negacionista, uma crise econômica pesada e poucas perspectivas de salvação.

Mas eis que, semana passada, o Flamengo anunciou os 30 inscritos do clube na Copa São Paulo de futebol júnior. Números 1 a 32 — o 12, que representa a torcida (o 12º jogador), e o 24, por motivos tão óbvios quanto obscuros, estão ausentes. 

Nada que seja novidade. Na Copa América deste ano, a seleção brasileira teve de ser interpelada juridicamente para explicar a ausência do número. Normalmente, em competições entre selecionados, são apenas 23 convocados. Por conta da pandemia, dessa vez foram 24. Douglas Luiz era o camisa 25 e não havia 24º jogador. A justificativa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi simples. Simplória até. Provavelmente verdadeira. Nenhum jogador quis a 24.

Talvez por medo de serem hostilizados pela homofobia que muitos negam existir. Vai saber, né?

Fato é que existem exceções. Para ser hiperbólico e grandiloquente, posso até dizer que, um dia, os abolicionistas foram exceção. Hoje dá a impressão de ainda serem.

O próprio Flamengo fez ação voltada a quebrar esse estigma ao número, restrito ao Brasil — a origem do preconceito é o Jogo do Bicho, onde o veado é o 24; sequer sei se em outra língua os cervídeos são "acusados" de homossexualidade. Em fevereiro de 2020, Gabriel Barbosa (o Gabigol, Gabi etc) vestiu o número. Legal, mas no mesmo ano parece que a lição foi esquecida.

Quem mais tratou do assunto foi o Fluminense. A coluna abordou o tema, ao elogiar o capitão do time, Nino, que trajou a 24 sem medo ou preconceito. Isso mesmo o Tricolor Carioca tendo de conviver com estigma homofóbico de rivais. 

E, no fim, é assim que começam as mudanças. Aos poucos, um outro admite quebrar uma corrente de ódio. Hoje, é mais natural vermos um homem heterossexual usando blusa cor-de-rosa. Um dia reabilitaremos o 24.

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