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Cabeçadas em assistentes, tapas em humoristas e o papel do viés
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Cabeçadas em assistentes, tapas em humoristas e o papel do viés

Colunista lança uma digressão sobre o conceito de viés ao analisar agressões de Rafael Soriano a Marcielly Netto e de Will Smith a Chris Rock. Com escala no duplo homicídio cometido por O. J. Simpson
WILL Smith deu um tapa em Chris Rock (Foto: Robyn Beck/AFP )
Foto: Robyn Beck/AFP WILL Smith deu um tapa em Chris Rock

A imagem do técnico Rafael Soriano, da Desportiva, tentando dar uma cabeçada na assistente de arbitragem Marcielly Netto, no intervalo da partida contra o Nova Venécia, pelo Campeonato Capixaba, não me sai da memória. Mais difícil ainda é superar a defesa dele, que tenta culpar a vítima.

Segundo o agressor, ela "tá querendo aproveitar de uma situação porque é mulher". Aparentemente, o ato dele só é condenável por ser violência contra as mulheres. E eu discordaria frontalmente, se minha própria reação não me traísse. 

Desde a primeira vez que ouvi sobre o caso, pensei que suspensão seria punição branda demais a alguém que agride uma mulher em campo. Depois fui pensar se ataque a homens não deveria gerar a mesma revolta. Assim, me vi preso a um viés. Um preconceito, seja ele baseado em lógica ou não.

Aí lá vamos a outra digressão: Oscar 2022. Independentemente dos fatos que levaram a isso, Will Smith subiu ao palco e agrediu fisicamente Chris Rock. E, depois disso, acabou banido por 10 anos da cerimônia. Achei um gancho pesado e vi muitas justificativas sobre isso passar pelo fato de ele ser um homem negro. E aí vem a charada. Será que eu acharia a punição leve se ele fosse branco? 

Em 1995, O. J. Simpson foi considerado inocente do assassinato da ex-esposa dele, Nicole Brown, e de um amigo dela, Ronald Goldman. Crime que, sejamos sinceros, ele claramente cometeu — o que já era evidente, mas ficou escancarado depois de ele ter publicado livro relatando "o que hipoteticamente teria acontecido naquela noite". A defesa do ex-atleta se baseou também em viés. Ele estaria sendo perseguido por ser negro, fato corriqueiro para a polícia americana (ou brasileira).

Dizem que é o único caso da história da justiça em que um homem foi inocentado por ser negro.

A vida tem dessas coisas quando inauguramos novos e mais insólitos cenários. Um técnico dar uma cabeçada em uma auxiliar, um ator dar um tapa em um comediante. A sociedade nos joga frequentemente na sanha punitivista. E a falta de evolução do mundo nos faz desistir do conceito de reabilitação. 

O ser humano é lotado de contradições, de preconceitos. De vieses, dos quais fatalmente somos vítimas, os quais fatalmente nos transformam em algozes. 

Minha trajetória faz com que minorias anuviem algumas das minhas capacidades de julgamento. O que talvez me fizesse um juiz pior. Ou, ainda, um colunista rasteiro. Mas, numa sociedade que exclui o diferente, quiçá meus erros de juízo tenham lá uma lasquinha de justiça.

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