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Cangayceiros: no campo onde todo mundo é bicha
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Cangayceiros: no campo onde todo mundo é bicha

Entrei em campo pela primeira vez na vida sem ser o único homossexual assumido na partida. Eu me vi em 2008, quando saí do armário e até me apresentava como alguém gay que gostava de futebol
Tipo Opinião

A chuteira era emprestada. O meião perdera o aumentativo. O fôlego ficou mais curto diante dos 10 anos de aposentadoria. Mas, aos 36 anos, era hora de voltar a campo.

O convite feito há anos pelo Lucas Bertullino, presidente do Cangayceiros Futebol Clube, pendia em suspenso, escondido sob a justificativa da idade. "Já sou cacura", eu repetia, usando o termo em "Pajubá" para homens homossexuais que já passaram do prazo de validade da curtíssima juventude dos gays. Vale lembrar que viado envelhece em idade de cachorro, um ano vale por sete.

O Cangayceiros FC é time de futebol de 7, mas também é racha. É, no fundo, aquilo que LGBTQIA+ adora: uma comunidade. Atualmente, a equipe está arrecadando fundos para, mais uma vez, representar o arco-íris no Campeonato Cearense de Futebol de 7.

Antes mesmo de calçar as chuteiras, assisti ao treino, comandado aos gritos por Katiana Venâncio. Um ritmo que já fez apertar a condropatia no joelho idoso e que despertou e ressignificou um trauma antigo de quem outrora jogava bola de dentro do armário.

"Toca a bola, viado". "Bora marcar, bicha". Foi a primeira vez que ouvi os dois termos em tom de brincadeira. Soava como intimidade, não deboche. Ao contrário daquilo que eu e todos os membros do Cangayceiros ouvíamos quando jogávamos com heterossexuais. Em outro contexto, era forma de diminuir, questionar a masculinidade, a virilidade. Aqui, era um vocativo, como tantos. Cara, bicho, mano, irmão, macho. 

Minutos depois, eu, tímido, entrei em campo pela primeira vez na vida sem ser o único homossexual assumido na partida. Eu me vi em 2008, quando saí do armário e até me apresentava como alguém gay que gostava de futebol. 

À época, um time de viados não era uma utopia que existisse. Jogar com héteros mesmo depois de assumido era uma forma de imprimir minha virilidade, como se masculinidade fosse qualidade. Era forma de me sentir incluído no padrão que a sociedade construíra para mim.

No campo dos Cangayceiros, eu me vi como um qualquer. Porque eu descobri que a gente pode se misturar ao ambiente sem se sentir diminuído.

Em tempo, apesar da idade "avançada" e do tempo de inatividade, deu para fechar o racha com um gol e duas assistências. A depender dos velhos músculos, esse pode ser o primeiro capítulo ou o encerramento de uma nova carreira.

Foto do André Bloc

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