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Futebol, assédio e presunção de culpa
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO

André Bloc esportes

Futebol, assédio e presunção de culpa

Reflexões sobre assédio, redes sociais e o pré-julgamento destinado às minorias e às maiores, de igual ou diferente forma
Mapi León, do Barcelona, está sendo acusada de assédio moral e sexual contra jogadora do Espanyol.  (Foto: Kenzo Tribouillard/AFP)
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP Mapi León, do Barcelona, está sendo acusada de assédio moral e sexual contra jogadora do Espanyol.

Dia desses, não deixei passar a oportunidade de chafurdar em esgoto a céu aberto e abri o X (o finado Twitter). A desculpa era ver notícias sobre hóquei no gelo, mas a verdade é que os traços obsessivos da minha personalidade por vezes me vencem e os antigos hábitos se impõem à revelia da minha saúde mental.

Um post sobressaiu. Um homem usa algo como uma machadinha de gelo para destruir o vidro de passageiro de um carro. Curioso sobre a ferramenta, fui para os comentários. Entre vídeos não relacionados, tentativas de golpe e propagandas políticas maliciosas, o único que respondia ao post original era um que perguntava, em tom casualmente racista, "por que são sempre pessoas dessa cor?".

Lembrei de um comentário recente de uma conhecida, que retrucou uma notícia sobre assédio com o chavão de que "todo homem é um abusador em potencial". Fiquei catando a diferença de uma frase para a outra, enquanto notava as dezenas de curtidas na postagem abertamente racista.

Aí rememorei que até hoje Cuca tem defensores, mesmo com provas materiais atestando que ele participou do estupro de uma garota na Suíça no fim da década de 1980. Ou o quanto a presunção de inocência de Daniel Alves persistiu mesmo com o ex-lateral-direito sendo julgado e condenado por estupro — curtidas em post de Instagram chovendo quando ele deixou o xilindró.

A verdade é que o ser humano é problemático. Principalmente quando ele tem poder. E minorias são capazes de fazer horrores. Costumo até brincar que homens gays não deixam de ser homens, mas aqui acabo sublinhando um pré-julgamento do meu próprio sexo. Mas o que eu quero dizer é que todo mundo tem a capacidade — até o direito — de ser uma pessoa ruim.

A atriz espanhola Karla Sofia Gascón, de Emilia Perez, já atacou praticamente todas as minorias em existência, apesar de ela ser uma mulher trans. Isso faz todas as pessoas trans serem ideologicamente comprometidas? Não. Ela tem direito às opiniões. Ela tem direito à presunção de inocência que por vezes só direcionado aos homens poderosos. Que assim como ela não têm direito a cometer crimes, mas por vezes se safam das consequências.

O suposto assédio de Mapi León, do Barcelona, a Daniela Caracas, do Espanyol mexeu ideologicamente comigo. O posicionamento omisso do Barça foi bem abordado pela coluna Iara Costa, ontem. Já eu queria ter as certezas que vejo os outros terem antes de jogar pedra em uma mulher que pode ter assediado e cometido um ato de transfobia — até racismo —, ou pode apenas ter agido de forma instintiva e desajeitada.

Como seria o julgamento de Mapi León se ela fosse homem? Talvez pior. Talvez melhor.

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