Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO
Narrador da Band — ou pelo menos fake dele — chamou uma das deputada federais mais atuantes do Brasil de "coisa"
Foto: Zeca Ribeiro/ Câmara dos Deputados
A deputada federal Erika Hilton, que, apenas nesta semana, protocolou PEC que busca o fim da escala 6x1 e foi vítima de transfobia
Ontem, Erika Hilton protocolou projeto de emenda à Constituição (PEC) que propõe acabar com a cruel escala de trabalho 6x1. Anteontem, ela foi, mais uma vez, vítima de transfobia. Ou seja, dois dias comuns na vida da deputada federal.
O ataque transfóbico, porém, me surpreendeu por uma nuance específica. Em postagem na rede social, um perfil que seria do narrador de Fórmula 1 da Band, Sérgio Maurício, chama a deputada de "fake news humana" e "coisa". Discordâncias políticas à parte, não se subalterniza alguém a menos do que humano. Menos que um ser vivo.
O narrador veio a público negar ser dono do perfil. Pode ser verdade, à revelia das evidências. Afinal, por anos a arroba dele foi marcada pela própria Band em postagens. Era lá que surgiam vídeos de bastidores, inclusive. Em que ele era seguido por amigos, com fotos que parece improvável que um impersonador conseguisse ter acesso.
Mas, vá lá, digamos que é verdade. Muito me surpreende Sérgio Maurício não ter vindo a público negar ter mandado a empresária Luíza Trajano passar meia hora tomando naquele lugar. O que ele certamente não pode rechaçar é a acusação de ter dito que flamenguistas não podem ir assistir a uma corrida de Fórmula 1 porque são "favelados" — afinal, foi gravado proferindo tal preconceito. Sobre este caso em específico, ele pediu desculpas, dizendo ter sido "uma brincadeira imprópria".
Fato é que alguém, seja Sérgio Maurício, seja o fake mais bem sucedido da mídia esportiva brasileira, reduziu uma deputada federal a uma "coisa". E tudo isso ainda foi no X (antigo Twitter), terreno fértil para outro duelo político-ideológico-jurídico entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e o tecnocrata extremista Elon Musk. De qualquer forma, a Justiça brasileira tem meios de descobrir a autoria do ataque transfóbico.
Mas queria, antes de terminar, explicar um pouco meu incômodo com o fato de uma pessoa ter sido chamada de "coisa". É que isso de reduzir alguém a algo menos que ser humano me soa familiar. É o que eu entendo quando chamam um negro de macaco. É o que eu sei que os nazistas argumentavam para dizimar judeus — e não apenas judeus, como meu avô, mas também homossexuais, como eu, entre várias outras pessoas de classe que julgavam subalternas.
Eu digo e repito. Não sou mais que ninguém. Posso odiar uma pessoa por ser um ser humano — essa expressão tão complexa e contraditória. Mas não sou eleito, superior. Pra mim, o que conta é caráter, aquilo que se constrói segundo o jargão.
Reduzir alguém a menos que um ser vivo, uma mera coisa, é discurso supremacista. E, claro, entendo que por vezes a gente fala da boca para fora e Sergio Maurício — ou o fake dele — pode não ter a dimensão do que falou.
Mas as palavras tem poder. Ah, elas têm.
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