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Provocação faz parte do espetáculo esportivo?
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO

André Bloc esportes

Provocação faz parte do espetáculo esportivo?

Tirar alguém do sério é certamente uma habilidade que pode dar vantagem competitiva a alguém. Eu me pergunto, porém, se é uma qualidade esportiva a ser preservada
Michael Jordan, um dos reis do trash talk, e Scottie Pippen, dono da frase mais icônica (Foto: Jonathan Daniel/Getty Images/AFP)
Foto: Jonathan Daniel/Getty Images/AFP Michael Jordan, um dos reis do trash talk, e Scottie Pippen, dono da frase mais icônica

No basquete, existe o artifício chamado trash talk. Trocando em miúdos, é a capacidade de enervar o adversário por meio de provocações. É visto como um atributo, mas ainda como algo meio sujo, a depender de quem tiver proficiência em jogar baixo. Por exemplo, Michael Jordan, Larry Bird e Kevin Garnett eram craques (também) nisso, o que não diminui os demais atributos deles.

Curiosamente, a anedota que mais bem exemplifica o impacto de uma provocação vem de um jogador mais calado: o ala Scottie Pippen, Robin de Jordan nos seis títulos da NBA.

Era domingo, 1º de junho de 1997. Jogo 1 das finais entre Chicago Bulls e Utah Jazz. Nove segundos no relógio e o ala-pivô Karl Malone — conhecido como “o carteiro” pela “precisão nas entregas” e também marcado, fora das quadras, por ter engravidado uma menina de 13 anos quando ainda era universitário — vai para a linha de lance livre. Pippen se aproxima e sussurra: “Carteiros não fazem entregas aos domingos”. Malone erra os dois arremessos, e Jordan fecha a partida com um acerto no estouro do cronômetro, em uma das cenas mais icônicas da história do esporte.

Provocar com eficiência é uma habilidade — assim como saber se defender dela, deixando o provocador mais vulnerável. Mas o que questiono é: isso é um atributo esportivo?

Cada esporte tem sua moral. No tênis, por exemplo, gritos de torcida são malvistos. Uma fala de um tenista para outro também. No hóquei no gelo, a violência é uma ferramenta de motivação — daí a permissão de brigas, ainda que controladas por regras. E no futebol?

Para mim, a noção de provocação em campo está circunscrita ao mesmo terreno nublado da catimba. É um atributo, claro, mas também algo que mancha a disputa esportiva. Gosto de cultivar essa visão idealizada de que esporte é sobre equivalência de forças, ignorando o fato de que um jogador do Flamengo recebe, por mês, o salário anual do elenco do Mirassol. Mas a gente tem direito às nossas ilusões.

Provocação, para mim, é coisa de torcedor. E eu, mesmo quando torço, abomino esse tipo de afeto ultramasculino. É como aquele amigo que nos cumprimenta só com xingamentos, sabe? O que não muda o fato de ser parte do jogo — talvez não do jogo que eu quero ver. Mas, como minha mãe me ensinou, eu não sou todo mundo.

Fora das quatro linhas, entre clubes ou torcedores? Tudo é lícito enquanto nenhum crime for cometido.

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