Dono da bola revisitado; ou a hierarquia do futebol na escola
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO
Dono da bola revisitado; ou a hierarquia do futebol na escola
Seria o zelo com a bola uma forma de tentar comprar o carinho dos colegas ao virar um item essencial da pelada?
Foto: Nayra Halm/ Staff Images Woman/ CBF
Bola de futebol; no caso, sem o dono
Academia é hoje um hub de sociabilidade. Talvez pela crise de meia idade que não se encerra em mim — infecta todos da minha geração —, a cada dia que passa esbarro mais em amigos, conhecidos de intimidade intermitente ou figuras do meu passado. Ajuda o fato de eu malhar (cof, cof, cof... treinar) em cima de um supermercado pseudobarato em bairro nobre de Fortaleza. Mas divago.
Nesta semana, desconfiei ter visto um antigo colega da segunda série do e e comentei o fato junto a um grupo de amigos meus desde o primário. E assim iniciei uma viagem a quando eu comprava um pedaço de bolo de chocolate com um copão de guaraná Wilson todo dia na cantina. Com o eco dos meus colegas, comecei a desfiar memórias daquele menino gordinho de quem me aproximei brevemente naquele então.
O cenário que se pintou foi um clássico da infância na década de 1990 — e em várias décadas antes e outras poucas depois. Meninada jogando bola, um deles descalibra a mira e o chute vai parar nos confins de um vizinho sem nome, mas de fama macabra. Bola embarcada é uma situação que molda caráter ao obrigar o grupo de pequenos a arranjar uma solução sem envolver os adultos.
Eis que o dono da bola — figura mítica no passado de todo menino e que ressurgiu dentro da minha academia — decide disparatar contra quem errou o chute, fazendo com que ele e outros tantos adentrem um terreno desses sobre o qual meninos de 10 anos têm pesadelos.
Eu presenciei a cena tanto quanto quem está cá lendo minha descrição. Não estava neste dia. Talvez ainda brincasse de pega-pega no recreio, antes de eu notar que o futsal era um meio de eu me sentir acolhido. Futebol é refúgio de masculinidade, um código de afetos mudos de um sexo acostumado a reprimir sentimentos. Em suma, o maior dos lubrificantes sociais para homens no Brasil.
Foi outro amigo meu, deste mesmo grupo, quem anos atrás me fez ver a hierarquia formada pela capacidade de jogar bola. Eu era próximo dele, até o momento em que o globo mágico me fascinou e eu abandonei tais brincadeiras. Ainda que limitado, meu talento me protegia. Afinal, quem tirasse o time primeiro ia me querer na zaga, o que anulava meu risco de ser escolhido por último.
Daí, penso no meu colega dono da bola. Ele não tinha qualquer talento para a pelada. E não é como se a meninada fosse particularmente indulgente com perna de pau. Desconfio, inclusive, que ele nunca nem gostou de futebol.
O que ele tinha era uma família com poder aquisitivo suficiente para comprar um lugar à mesa. A bola, para ele, era um símbolo de status social. Era a forma mimada dele se sentir amado. Hoje, eu consigo simpatizar com esse sentimento.
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