Elogio, assédio, predação: de "Tadzio" às redes sociais brasileiras
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO
Elogio, assédio, predação: de "Tadzio" às redes sociais brasileiras
O que une um clássico de 1912, uma adaptação cinematográfica de 1971 e o contexto atual das redes sociais? Talvez o comportamento predatório de alguns homens
Foto: Mantaray Film/divulgação
Björn Andrésen na velhice, para evitar usar uma foto fetiche do "garoto mais bonito do mundo"
Em 1912, o escritor alemão Thomas Mann escreveu "Morte em Veneza", romance em que um escritor se perde em uma obsessão por um garoto polonês de 14 anos chamado Tadzio. Hoje se sabe que havia mais verdade do que ficção na obra, que refletia a luta interna do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura com a própria sexualidade.
Em 1971, o cineasta italiano Luchino Visconti, este homossexual assumido, fez a mais famosa adaptação da obra. O protagonista era Dirk Bogarde, mas foi o jovem Björn Andrésen, então com 15 anos — e com aparência de ser ainda mais novo — quem ganhou fama global. O diretor declarou ser ele "o garoto mais bonito do mundo", e este rótulo o perseguiu desde então.
A fama do adolescente era tanta que ele se tornou a principal referência para a popularização de uma estética de personagens em animes nas décadas de 1970, 80 e 90. Em resumo, eram os chamados "bishounen", adolescentes de beleza angelical e andrógina. Pense no Shun, de "Os Cavaleiros do Zodíaco".
O ator sueco morreu nesse sábado, 25, aos 70 anos. Antes disso, em 2021, detalhou os anos de juventude em que foi tratado como presa sexual no documentário "O Garoto Mais Bonito do Mundo". E meu argumento começa aqui, já que é chocante ler, mesmo hoje em dia, quem declara o desejo sexual não correspondido como elogio.
O olhar sexual predatório é prática masculina há milênios — pelo menos quando direcionada a mulheres. Mas impor o desejo sexual na realidade do outro é uma violência. E não é algo restrito aos homens heterossexuais.
Não quero citar nomes. Já cansei, porém, de ver certo jovem jogador do futebol local viralizar e virar alvo de assédios disfarçados de elogios por parte de homens gays. Isso quando o assunto não descamba para especulações sobre a orientação sexual dele. Tudo tratado como forma de humor, revestido de cantadas violentas e sugestões sexuais gráficas.
É um avanço que vivamos numa sociedade em que pessoas de sexualidade "desviante" possam expressar os próprios desejos. Mas a reciprocidade é pressuposto básico para que uma interação não vire um assédio. O problema não é o comportamento homossexual em si ou o desejo, mas a sanha masculina da posse, o ato de ignorar o "não".
O caso de Björn é um aviso. Trata-se de um caso extremo de comportamento predatório — e neste caso, com contexto pedófilo — que descarrilhou uma vida. Já li dezenas de relatos de abuso sexual contra homens, acompanhados de respostas de outros homens diminuindo a experiência. Ou pior, insinuando inveja do trauma sexual de outras vítimas.
Acredito que a sociedade tenha avançado ao permitir que se verbalize um desejo outrora visto como marginal. O que muitos precisam aprender é a dosar o sentimento de posse sobre o corpo do outro. Há limites, nem sempre tão claros, entre flerte, assédio e predação.
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