Sociólogo, com formação em Filosofia. Professor aposentado do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Conjuga as atividades acadêmicas de professor, pesquisador, sempre engajado em atividades públicas, à participação como conselheiro em diversas instituições nacionais e internacionais
No Brasil, continua a dificuldade de separar o que é do Estado do que é da Religião. Recentemente, um hospital e um juiz negaram o uso legal do DIU por o considerarem contrário ao ensinamento católico
Fiquei surpreso e até chocado quando vi a seguinte manchete na edição da Folha de São Paulo, de sábado, dia 3 de deste mês: “Brasil tem mais espaços religiosos do que de educação e saúde juntos”. Segundo o Censo Demográfico de 2022 do IBGE, o país tem 579,8 mil estabelecimentos religiosos, enquanto os de ensino totalizam 264,4 mil e os de saúde somam 247,5 mil. Minha surpresa adveio do fato de nunca ter refletido, nem sequer pensado, nessas três variáveis assim reunidas e comparadas. São de fato comparáveis? O que essa comparação significa de fato? Há sentidos nisso tudo e, se há, quais são?
Na realidade, ignoro qual seria o número adequado de estabelecimentos religiosos, de ensino e de saúde por habitante. O texto da reportagem destaca que no quesito religioso, o destaque fica com cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro. Em Itaboraí, há um templo por cada grupo de 158 pessoas, o que soa excessivo. Por outro lado, o grande número de estabelecimentos religiosos não deveria surpreender, já que qualquer observador é capaz de perceber, na sua cidade e mesmo no seu bairro, a rápida propagação de templos evangélicos das mais variáveis denominações, o que não ocorre com as igrejas católicas.
O catolicismo tende a ser unificado, por se encontrar fortemente estruturado burocraticamente, enquanto o protestantismo vai na direção oposta, por reconhecer a cada cristão o dom de interpretar a Bíblia por sua conta, o que favorece a multiplicação de congregações e de templos até com poucos fiéis. De qualquer forma, a grande quantidade de estabelecimentos religiosos pode expressar uma maior preocupação com a salvação eterna dos cristãos do que com seu sucesso e sua saúde nesta vida terrestre.
Mas há outras consequências. Uma é cultural. A proliferação de estabelecimentos religiosos indica que a população brasileira é pouco atingida pela secularização do mundo atual. Sabe-se que a religiosidade é uma das características das sociedades tradicionais ou patriarcais e que, por sua vez, uma sociedade liberal e moderna tende a secularizar-se, procurando explicações existenciais mais pela razão e pela ciência do que no além, provocando um progressivo afastamento dos ritos e crenças religiosos. Não parece ser o caso no Brasil, que continua com dificuldade de separar, por exemplo, o que é do Estado do que é da Religião. Recentemente, um hospital e um juiz negaram o uso legal do DIU por o considerarem contrário ao ensinamento católico.
Não é difícil observar também que as confissões evangélicas são aquelas que mais rapidamente crescem entre nós. Na maioria dos casos, essas congregações nasceram nos Estados Unidos e se instalaram aqui num esforço de evangelização, trazendo valores e comportamentos conservadores americanos, que se ajustam bem com a religiosidade e o fatalismo de nossa cultura. Daí desenvolveram um projeto próprio de poder de extrema-direita com o objetivo de consolidar e estender seus princípios morais aos brasileiros e ao Estado. É bom, todavia, guardar em mente que o poder público deve ser laico e cuidar da educação e da saúde de seu povo.
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