A maior virtude da vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida no Brasil em parceria com o Instituto Butantan, é evitar hospitalizações e mortes pela Covid-19. Não é pouco.
Os grupos com maior risco de complicações devem ser priorizados, como previsto, para que as metas sejam alcançadas. Essa é uma vacina que salva vidas e reduz a pressão sobre os serviços de saúde, mas que não impede rapidamente a circulação do vírus.
Extremamente segura, de acondicionamento fácil, que induz imunidade através da inoculação de vírus inativado, a Coronavac pode reduzir 78% dos atendimentos e prevenir, em tese, quase todas internações e fatalidades. Atributos que mais do que justificam seu uso emergencial, que já deveria ter sido autorizado há algum tempo.
Se os grupos de maior risco estivessem imunizados, não teríamos, provavelmente, assistido às imagens mais trágicas e revoltantes que vimos desde o início da pandemia. Pessoas implorando nas ruas por oxigênio, pois seus pais, mães, avós, tios, tias, amigos, para quem o insumo era destinado, não podiam mais respirar. A Coronavac previne a maioria dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) causados pela Covid-19, àqueles casos em que se impõe a oxigenoterapia.
Embora existam incertezas, pesquisadores acreditam que as vacinas aprovadas até agora podem manter a eficácia contra as novas variantes do Sars-CoV-2 descritas até o momento (britânica, sul-africana e amazônica). De modo que, mesmo considerando o eventual predomínio da variante do vírus descrita recentemente em amostras coletadas em Manaus, que parece ser mais contagiosa e com maior propensão a provocar casos de reinfecção (escaparia com mais facilidade da imunidade natural adquirida por uma infecção anterior), a Coronavac seria capaz de evitar o colapso assistencial.
A eficácia global de 50% nos informa que o alcance da imunidade coletiva (de rebanho) em nível nacional exigiria que uma proporção enorme da população brasileira fosse vacinada (algo em torno de 162 milhões de brasileiros segundo estimativa recente). Em outras palavras, considerando hipoteticamente a utilização apenas da Coronavac, só poderíamos imaginar eliminação ou mesmo controle da transmissão no ano vindouro, pois apenas um em cada dois indivíduos imunizados estaria realmente protegido da infecção pelo Sars-CoV-2.
Vamos continuar de máscara e respeitando as regras de distanciamento social por algum tempo, sem dúvida. A aquisição da imunidade é um processo lento, ainda mais porque a segunda dose é necessária para a plena eficácia prometida, sem desconsiderar as dificuldades logísticas.
"A despeito da justa emoção motivada pelas imagens dos primeiros profissionais de saúde vacinados em cerimônias de celebração pelo Brasil afora, ainda deveremos passar por momentos difíceis em diversas regiões, potencializados pela ausência de uma coordenação nacional de resposta à pandemia"
Vejamos o exemplo do Reino Unido. No dia 8 de dezembro de 2020, a primeira britânica foi vacinada com o imunobiológico da Pfizer-BioNTech que tem eficácia esperada de aproximadamente 95%, se aplicadas as duas doses. Exatamente um mês depois (8/1/2021), na esteira do aumento exponencial dos casos associado à nova variante britânica do vírus que é mais contagiosa, o país registrou 1.325 óbitos em 24 horas. O maior número de mortes desde o início da pandemia.
O alcance de uma cobertura vacinal elevada leva tempo. Por essa razão não só o Reino Unido, mas Alemanha, França e Espanha, entre outros países, ainda convivem com medidas de isolamento rígidas, inclusive com lockdown, mesmo depois do início das campanhas de imunização.
A despeito da justa emoção motivada pelas imagens dos primeiros profissionais de saúde vacinados em cerimônias de celebração pelo Brasil afora, ainda deveremos passar por momentos difíceis em diversas regiões, potencializados pela ausência de uma coordenação nacional de resposta à pandemia. Felizmente, no entanto, teremos pelo menos uma perspectiva de diminuição dos casos graves, proporcional ao crescimento da cobertura vacinal dos mais vulneráveis nos Estados, que deve levar a média móvel de óbitos à uma tendência de declínio gradativo, após um período ainda relativamente extenso de alta.
Para tal, é necessário o restabelecimento do fluxo de chegada dos insumos da China, sem os quais a confecção da Coronavac pelo Butantan é prejudicada, além de inviabilizar o início da produção da vacina de Oxford-AstraZeneca pela Fundação Oswaldo Cruz. É alto o custo das agressões do chanceler brasileiro e de outras autoridades ao governo e ao povo chinês, assim como o que está sendo pago no atraso (que deve ser superado) da exportação das doses por parte da Índia. O país, provavelmente, se ressentiu do alinhamento do Governo Brasileiro com os Estados Unidos de Donald Trump, no episódio em que os países emergentes, com exceção do Brasil, propuseram uma quebra de patentes de vacinas, que favorecesse o aceso das populações dos países mais pobres.
A aceleração da produção das vacinas será crucial para o que veremos no Brasil nos próximos meses. Não creio que haverá graves problemas de adesão às vacinas. O percentual de recusa será baixo apesar de algumas autoridades. Penso que nossa mais grave contingência é a eventual carência do imunobiológico em si. Existe risco de não dispormos de um número de doses suficiente para de fato mudarmos a tendência natural da doença ainda no primeiro semestre de 2021.
Ao contrário do que pensa o general da ativa e ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que no lançamento do Plano Nacional de Vacinação estranhou a pressa demonstrada por nós brasileiros, a imunização associada a outras estratégias e ações emergenciais, poderá prevenir tragédias como a de Manaus. Que os esforços dos que realmente tem o senso da urgência prevaleçam, e que possam garantir a chegada célere da vacina aos braços daqueles com maior risco, sobretudo, idosos mais frágeis.