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Humanoides cestinhas e aspiradores poliglotas
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Humanoides cestinhas e aspiradores poliglotas

Robôs inteligentes jogando basquete. Nos jogos olímpicos do Japão, o terrificante Cue fez sensação. É mesmo de deixar alguém de queixo caído, a visão do gigante futurista que calcula e encesta bolas, quase como um profissional. Por muito menos que isso, aqui em casa, dá-me voltas à cabeça um robô poliglota
Tipo Crônica
Um robô jogador de basquete chamado CUE se apresentou no intervalo do jogo entre os Estados Unidos e a França em 25 de julho de 2021, nos Jogos Olímpicos de Tóquio. A Toyota criou um robô atirador de basquete de 6 pés e 10 polegadas, que usa sensores em seu torso para avaliar a distância e o ângulo da cesta e usa braços e joelhos motorizados para executar arremessos definidos (Foto de Thomas COEX / AFP) (Foto: THOMAS COEX / AFP)
Foto: THOMAS COEX / AFP Um robô jogador de basquete chamado CUE se apresentou no intervalo do jogo entre os Estados Unidos e a França em 25 de julho de 2021, nos Jogos Olímpicos de Tóquio. A Toyota criou um robô atirador de basquete de 6 pés e 10 polegadas, que usa sensores em seu torso para avaliar a distância e o ângulo da cesta e usa braços e joelhos motorizados para executar arremessos definidos (Foto de Thomas COEX / AFP)

Aconteceu o que tinha de acontecer. E eu venho aqui dar a triste notícia a quem segue estas crônicas, ultimamente um tanto tecnológicas. Wall-E, o nosso querido robô aspirador de estimação, morreu. Deixou o mundo das máquinas dias atrás, vítima da pandemia de falta de peças para o modelo dele, causada pela pandemia que esvaziou de mãos humanas algumas fábricas, por aí.

Devolvi à loja o corpinho chinês dele, todo lata, todo luzes, todo botões, todo fios e chips. Adeus, escravo tecnológico, que o deus da reciclagem te repare e te recondicione. Quem sabe, um dia, não vais limpar outras casas por aí?

Como estava no seguro, recebi de volta um outro, tinindo de novo. Última geração de robôs, pelo que me disse o vendedor. Limpa e lava, memoriza o mapa da casa, fala com você em seis línguas, e, depois do trabalho feito, manda relatório completo pelo telefone. Achou pouco?

A lista, quase infinita, de bondades da máquina derreteu os meus miolos. E o rapaz da loja terminou a explicação suado e com um esquisito brilho nos olhos. Pensei com meus botões: este robô é um monstro. Mas, fui para casa com a preciosidade no colo. E, confesso, com medo dele.

Desde então, já com seus tentáculos devidamente ligados à tomada e ao wi-fi, o bicho, que tem o nome de Roomba, anda a fazer gracinhas. Coisas de robôs estagiários, a ver se ganha de vez o posto, na vida do dono. Por exemplo, vez em quando, o poliglota solta frases inteiras em italiano.

Avisa que a roda está encravada e dá instruções de solução: “premere clean per fare repartire”. Muito bem, chega de luzinhas piscando, barulhinhos de avisos, mensagens ao telefone, pedidos para isso e para aquilo. Prevejo relações difíceis.

Exausta do Roomba, refugiei-me na transmissão das Olimpíadas de Tóquio. Bem poderia ter desconfiado, o programa não é ideal para quem deseja férias de tecnologias inteligentes. Mas, era domingo à tarde, botei os pés na mesa de centro da sala, pronta para o jogo de basquetebol entre França e Estados Unidos.

 

Cartaz do filme Wall-E(Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Cartaz do filme Wall-E

E teria sido uma partida e tanto se, no intervalo, não tivesse surgido na tela mais um primo distante do Roomba: um gigante japonês de dois metros de altura, que me lembrou o “Terminator”. A máquina humanoide e sua cabeça, pernas, pés, braços, mãos e dedos, entrou na arena e encestou, sem hesitar, bolas de basquete.

Se plateia houvesse, teria ido a delírio. Encafifada, fui procurar saber. O nome do bruto japonês é Cue (pronúncia fonética é kyü), o que poderia ser traduzido para o português como “sinal”.

O humanoide cestinha foi criado sob a inspiração do personagem principal de uma conhecida história em quadrinhos japonesa, o popular mangá Slam Dunk. A série conta a história de Hanamichi Sakuragi, um jovem chefe de gangue que, por amor, entra para um time de basquete, de uma escola secundária, no Japão.

O rapaz de cabelos vermelhos não sabe nada sabe do jogo, mas imagina que se treinar e acertar pelo menos 20 mil lances na cesta poderia ser suficiente para se tornar um craque. Coisas que os robôs inteligentes prometem fazer, mas só no futuro.

Um avô de Cue, modelo mais antigo feito pelos funcionários da Toyota, nem chegou perto da marca de Sakuragi, mas entrou para o livro dos recordes mundiais, para humanoides. Fez 2.020 lances livres consecutivos, numa performance de 6 horas e meia. Veja o trabalho que tem de fazer um fiscal do Guiness.

O número de lances recordes era já um piscar de olhos para os jogos que acontecem agora, no Japão. Sem a pandemia, teriam sido em 2.020. Isso tudo me deixa cismada, Roomba. Será que um dia vamos assistir olimpíadas de robôs, hein? Atletas de lata medindo força e inteligência, uns com os outros? E nós aplaudindo?

Este, por exemplo, só não se lança no basquete porque, apesar da habilidade com a cesta, é lento. Fosse jogar com gente de verdade, levava um olé. Mas, cérebros da informática são incansáveis. Este é já uma quinta versão. Razão do número 5, do 95 marcado no uniforme. O 9 tem a ver com o som do número 9, que na língua japonesa coincide com a fonética kyü.

E, assim, outras infinitas versões melhoradas de Cue preparam-se na sopa de reciclagem de robôs. Como o modelo do finado Wall-E, substituído por outro bem mais sabido. De volta ao manual de instruções, quem sabe eu também precise de um chip novo.

Foto do Ariadne Araújo

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