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Portugal: brasileiros na sala de desembarque
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Portugal: brasileiros na sala de desembarque

Com a reabertura de Portugal, após uma excelente campanha de vacinação, os estrangeiros estão de volta. E, em especial, brasileiros. Se já antes da pandemia, a comunidade brasileira aparecia como a maior, entre os estrangeiros residentes no país, o sentimento é de que agora há mais gente chegando. Uma migração que nem sempre acontece de forma planejada e segura
Tipo Crônica
Pernilongo-das-costas-negra (Himantopus mexicanus). Ave-migratório que habita as lagunas salgadas e temporárias do mangue do Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza/Ceará/Brasil  (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Pernilongo-das-costas-negra (Himantopus mexicanus). Ave-migratório que habita as lagunas salgadas e temporárias do mangue do Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza/Ceará/Brasil

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“Vão cem. Chegam mil”, disse curto e grosso a funcionária do Consulado do Brasil, em Portugal. Resposta sem equívocos à minha sondagem de terreno, enquanto aguardava alguns carimbos e selos a mais em meus documentos. Quis confirmar com ela se o movimento migratório dos compatriotas para terras lusitanas tinha diminuído ou aumentado, nos últimos tempos. Porque tinha tido sabido de muitas partidas precipitadas, eu disse, nas notícias do jornal e da tevê, logo nos primeiros meses de pandemia.

Com o anúncio das restrições sanitárias, gente acampando na entrada do aeroporto, à espera de voo sem data. Gente pedindo ajuda para o retorno. Gente pondo à venda o recheio da casa. Gente fechando seus pequenos negócios. De volta ao Brasil, para apoiar e ser apoiado. De todas as formas, junto dos seus.

Mas, isso foi antes. Com a vacinação e abertura dos aeroportos, também o sinal verde para chegadas do Brasil, agora “chegam mil”, no dizer da funcionária, ela que se sente atolada em mais trabalho. Brasileiros que desembarcam cheios de sonhos, mas que não sabem a batalha da burocracia que têm pela frente. Sem os tais papéis que provam a residência legal, tudo fica mais difícil.

Pesadelo da ilegalidade

O sonho pode se transformar rápido no pesadelo da ilegalidade. Mas, ao que parece, os brasileiros estão de volta à Portugal. E em força. Não são informações oficiais, mas baseiam-se na percepção de quem vive e trabalha aqui. E, pelo que se sente, essa pode ser uma nova onda migratória recorde. No ar, aquela esperança de uma vida melhor, aquela vontade de tudo se ajeitar.

No relatório de 2020 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a nacionalidade brasileira já aparecia como a principal comunidade, entre os estrangeiros residentes no país. De acordo com os dados, do total de 661.607 estrangeiros, 27,8% são brasileiros. Agora, com a vacinação avançando, aeroportos abertos e sinal verde para brasileiros, esses números podem subir em flecha.

Aliás, uma reportagem no jornal português surpreendeu a comunidade brasileira, recentemente. Segundo os gráficos, em Braga, na região do Minho, em cada 100 residentes, 4 têm nacionalidade brasileira. Ou seja, dos estrangeiros em Braga, 60% são brasileiros. Com eles, a cidade cresceu em termos populacional. Contrariando, inclusive, uma tendência nacional.

O título da matéria, aliás, diz tudo: “Braga quis ser Braguil e os brasileiros disseram presente”. O jogo de palavras Braga-Brasil mostra como a presença brasileira na “cidade dos arcebispos” já é notória. Sotaque brasileiros em maioria nas ruas, praças, cafés, restaurantes, universidades.

Sem planejamento

Na Casa do Brasil, os pedidos de orientação duplicaram. Victor Hastenreiter, um dos técnicos na linha de frente do atendimento ao público, amanhece com a caixa de e-mails cheia. Segundo ele, muito dos casos que chegam para ele são já em situação limite. Na maioria esmagadora, mulheres com filhos e na faixa dos 50 anos. Cada qual com sua história de dificuldade. Às vezes, já sem abrigo ou trabalho. A Casa do Brasil encaminha, orienta, aciona a rede de parceiros. Mas, não dá para fazer muito.

“Despreparo e falta de planejamento”, diz Hastenreiter. O que acarreta uma série de problemas já em solo português. Por exemplo, com documentos, mercado de trabalho, burocracia para alugar casa. “Só o processo de regularização pode durar mais de 2 anos. Como fazer até lá?”.

Pensando nisso, a Casa do Brasil prepara vídeos e outros conteúdos para ajudar a tornar essa migração brasileira mais segura. “Uma migração com maior garantia de direitos”. Segundo ele, muitos brasileiros, ainda no Brasil, buscam a resposta salvadora, “saber como migrar de forma legal”.

 

"Há muitos recortes nesta migração brasileira. Muitos diferentes perfis. Profissionais, aposentados, investidores, e estudantes universitários. Estudante que, inclusive, chegam já com visto. Mas, há um grande percentual que vem arriscar a vida, na base do “lá eu resolvo”. E, para esses, há armadilhas"

 

Na Internet, a entreajuda se multiplica. São dezenas de vídeos, aulas e tutoriais no Youtube, blogues, sites, redes sociais. Às vezes profissionais da advocacia com explicações sobre os tipos de documentos necessários para se viver em Portugal e outras exigências legais. E, pode apostar, são muitos. Mas também leigos que mostram o potencial de outras cidades fora do eixo Lisboa-Porto. Castelo Branco, por exemplo.

“Transforme sua vida”, diz o brasileiro Higor Cerqueira, no vídeo dele. A promessa é de enumerar 5 vantagens que vão convencer você a escolher para viver essa pacata cidade, no centro do país. Para além de uma boa escola politécnica e segurança, faz-se tudo a pé, duas horas e meia até a praia mais perto, meia hora para se ter a experiência da neve, na Serra da Estrela. Os vídeos de Higor pelas cidades do interior de Portugal têm convencido alguns.

O problema, como diz Victor Hastenreiter, é que há muitos recortes nesta migração brasileira. Muitos diferentes perfis. Profissionais, aposentados, investidores, e estudantes universitários. Estudante que, inclusive, chegam já com visto. Mas, há um grande percentual que vem arriscar a vida, na base do “lá eu resolvo”. E, para esses, há armadilhas. Ofertas de serviços burocráticos que aparecem nos vários grupos de brasileiros no Facebook, por exemplo, por preços elevados.

“Se a pessoa não paga, eles, em represália, detêm o acesso ao portal do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF). E, para resolver isso, só indo ao órgão, pessoalmente. E uma marcação presencial no SEF é bem difícil de se conseguir”, diz. “O que você está esperando?”, pergunta o vídeo de Higor Cerqueira. E uma seguidora, já se imaginando em Castelo Branco, diz “que asfalto bonito. Dá até vontade de se deitar no chão”. Visão de um Portugal perfeito que arrisca fazer vítimas de atropelamentos.

Foto do Ariadne Araújo

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