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Quinta onda da Covid, aves também confinadas e outra pandemia em curso
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Quinta onda da Covid, aves também confinadas e outra pandemia em curso

A gente tem essa mania de tudo contabilizar. Pois, começa na Europa a quinta vaga de Covid-19. E, em paralelo, a oitava de uma outra pandemia, sobre a qual pouco se fala: a da gripe aviária. As notícias não são boas, eu sei. Para cuidar das consequências dos muitos confinamentos futuros que se adivinham, os países criam agora Ministérios da Solidão. Já não era sem hora
Tipo Crônica
Gripe aviária pode ser transmitida aos humanos (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Gripe aviária pode ser transmitida aos humanos

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Lá vamos nós de novo. Todos os dias, a vigiar mapas e suas cambiáveis manchas em vermelho, amarelo e verde. Gráficos que sobem e descem flechas, barras e linhas, no comparativo por país. Estatísticas com o total de vacinados. Números de mortos, internados e contagiados. Notícias inquietantes nas manchetes dos jornais. É que o vírus volta com força na Europa e ameaça desmanchar natais e festas de fim-de-ano.

Inclusive, uma certa viagem de férias programada para janeiro, tão desejada e precisada. Ida ao Brasil para ver e abraçar a família e amigos, depois de dois anos de restrições e de separações. Planos de matar a saudade e de reencontros possíveis, agora por um fio. Brasileiros no estrangeiro e seus corações migrantes apertados. O meu do tamanho de uma ervilha.

Portugal, certo, não está mal na fita. Vacinou quase 90% da população. E, embora o número de casos de infeções esteja subindo, há menos mortes. Mas há. Vendo os números subirem, o país tenta apressar a aplicação da terceira dose. Sem ela, a longa travessia do túnel de meses frios e de chuvas no inverno pode se transformar num desastre. Volta do teletrabalho, restrições sanitárias, obrigação de apresentação do passaporte de vacinação e até confinamentos não estão descartadas.

 

"Divididos, então, estamos entre vacinados e não-vacinados. Enquanto especialistas e políticos discutem estas novas questões éticas – “autonomia e liberdade de cada um” versus “o bem comum” -, aumentam as pancadarias nas ruas"

 

Vamos aqui, em terras portuguesas, portanto, um dia a cada vez. Já a Alemanha e a Áustria, por exemplo, preparam-se para o pior, com taxas recorde de novos contágios. “A onda que vem aí vai eclipsar todas as anteriores”, avisa o primeiro-ministro do Estado Federal da Saxônia, região Norte da Alemanha, Michael Kretschmer.

Como um tsunami que vai nos engolindo, esta é a quinta onda na Europa. Os jornais falam em “pandemia dos não-vacinados”. Onda que chega, portanto, colocando na mesa novas questões para a sociedade. Por exemplo, confinamentos seletivos e restrições na vida social para quem não se vacina, obrigatoriedade de vacinação para professores, médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Inclusive, risco de demissão sumaria em caso de não cumprimento.

Divididos, então, estamos entre vacinados e não-vacinados. Enquanto especialistas e políticos discutem estas novas questões éticas – “autonomia e liberdade de cada um” versus “o bem comum” -, aumentam as pancadarias nas ruas. “Discriminação” gritaram os recalcitrantes à vacina em Rotterdam, na Holanda, em meio a uma “orgia de violência”. Conflitos que se multiplicam. E, parecem, estão longe de acabar.

Em meio a ameaças de novas ondas da Covid, outras pandemias já batem à porta. IMAGEM  no Parque Estadual do Cocó, onde máscaras viram lixo(Foto: DEMITRI TÚLIO)
Foto: DEMITRI TÚLIO Em meio a ameaças de novas ondas da Covid, outras pandemias já batem à porta. IMAGEM no Parque Estadual do Cocó, onde máscaras viram lixo

Mas, há neste momento um confinamento geral que não mobiliza as ruas. É que na França, na Bélgica e na Holanda confinam-se também galinhas, frangos, pintos, patos, gansos, perus, pombos. Até segunda ordem, todos os emplumados ficam presos em suas respetivas gaiolas e poleiros. E tanto faz se são centenas em criatórios ou um punhado no quintal de um particular.

As saídas para um ar fresco e um lanche bicado no meio da natureza estão proibidas. É que, enquanto tentamos saídas na luta contra o coronavírus, uma outra pandemia corre em paralelo, a da gripe aviaria. Segundo os jornais, algumas variantes circulam no mundo já há algum tempo. E uma, em especial, é mortal. Teria já devastado milhares de frangos, patos e perus em quase 50 países. Reino Unido, inclusive, muito afetado.

 

"Ah, tempos que nos ultrapassam. Distópicos. Na Inglaterra e no Japão já há um Ministério da Solidão, sabiam? Porque vacinados e não-vacinados, somos todos vulneráveis nesse tempo desestruturado do cotidiano restrito à casa. Do medo do outro. Do outro mantido à distância. De um “eu” sem um “nós”. Das pandemias na pandemia."

 

Duas pandemias ao mesmo tempo. Uma supermediatizada e uma outra que se propaga na sombra da primeira, silenciosamente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) se inquieta com os primeiros casos de transmissão a humanos. Segundo o Courrier International, pelo menos oito variantes circulam regularmente nas criações intensivas de aves no mundo inteiro, sem que as autoridades tomem conhecimento.

“Capazes de contaminar e matar seres humanos, com risco de gravidade superior ao Covid-19”, anuncia a reportagem. Na berlinda, as grandes fazendas de produção intensiva, onde animais vivem em condições de alta intensidade populacional e de forma nada natural. Portanto, se há ainda controvérsia sobre como surgiu o coronavírus, sobre o da gripe aviária não há dúvida - produzido por nós mesmos.

Presente estranho, esse. Mas, revelador. Por exemplo, da nossa relação com os animais, “produzidos” em condições ideais para surgimento de novas doenças transmissíveis. Da nossa desconfiança para com a ciência. Dos riscos e consequências (em vidas e dinheiro) de uma pandemia moderna. Ou de duas. De como funcionamos como sociedade de consumo - obter o certificado de vacinação não por responsabilidade social, mas porque queremos continuar a ir a bares, restaurantes, viagens.

Ah, tempos que nos ultrapassam. Distópicos. Na Inglaterra e no Japão já há um Ministério da Solidão, sabiam? Porque vacinados e não-vacinados, somos todos vulneráveis nesse tempo desestruturado do cotidiano restrito à casa. Do medo do outro. Do outro mantido à distância. De um “eu” sem um “nós”. Das pandemias na pandemia.

Foto do Ariadne Araújo

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