Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Poderia ter sido uma aldeia antiga de Portugal – dessas onde entramos e não sabemos mais em que época estamos -, mas foi Mérida, na Espanha, onde entendi finalmente a fala de Santo Agostinho sobre o tempo: "se ninguém me pergunta, eu o sei. Mas se me perguntam e eu quero explicar, não sei mais nada".
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Entrei em um teatro romano mais velho que o Cristo e me perdi nas dobras do tempo. Sentada nas arquibancadas de pedras, como uma romana do povo, tive aquela experiência que a gente chama de epifania. É que o tempo das horas parou os ponteiros do relógio (que eu não uso mais e fiquei entregue à subjetividade do tempo. “No presente das coisas passadas”, como dizia Santo Agostinho. “No tempo da alma”, como dizia Santo Agostinho. No tempo “onde as coisas duram”, como dizia Santo Agostinho.
Mérida, na Extremadura espanhola, faz isso comigo. Marvão, no Alto Alentejo português, faz isso comigo. E Juazeiro, no Sul do Ceará, faz isso comigo. Quando eu vejo, entardeceu. Anoiteceu. Madrugou. Como foi isso? Que horas são? – pergunta-se, atarantado. Acompanhando a irmandade dos penitentes do Cariri e, de repente, é como se estivéssemos - sem querer e sem saber como – acompanhando a irmandade dos nazarenos na Andaluzia, na Espanha.
Como naquele dia – como poderei esquecer? – em que eu vinha distraída pelas ruas de Salamanca (Espanha) e, no dobrar de uma esquina recebi aquele golpe de vista que me fez esquecer para onde ia e que dia era hoje. Porque vinha na minha contramão a Idade Media, levando nos ombros o pesado andor de La Virgem, a caminho da Catedral. Emaranhei-me fervorosa, pisando em pétalas de rosas, chorando por uma inexplicável emoção, como se eu tivesse inteira no “presente das coisas passadas”.
Difícil explicar a temporalidade e a espacialidade subjetiva. No teatro romano de Mérida, puxada nesse “tempo da alma”, cheguei a ver os atores romanos em preparo na cena, os “acomodadores” colocando o público em seus lugares e até os escravos guardando os melhores assentos para os seus mestres. Sob o governo do imperador Octávio Augusto, foi o cônsul Marco Agripa – comandante de tropas e arquiteto -, quem mandou construir esta obra arquitetônica, hoje Patrimônio Mundial da Humanidade.
Aliás, para agradar o amigo, genro e imperador, o cônsul encomendou três estátuas: Augusto com seu manto e couraça, representando o general de todas as tropas; Augusto semidesnudo, representado um ser divinizado; Augusto com sua toga, que era o traje cerimonial. Como sobrou ainda vontade, mandou que personificassem também Lívia, a esposa de Augusto, e que colocassem a imagem sobre a porta central. Da última vez, aliás, choveu e me abriguei – sem saber – debaixo das pregas do vestido de Lívia. E a chuva até parou de chover.
Já lá fui quatro vezes. E a quarta não há de ser a última. Vou para sentir essa temporalidade. Para ter surpresas, revelações involuntárias, encontros, choques, esbarrões, flutuações. Perder a gravidade. E, principalmente, para tirar férias desse tempo veloz do dia a dia - tique-taque, tique-taque. No agora, no instante, não penso no tempo. Apeno vivo o teatro, viajando entre o passado e o presente, sem olhar o futuro. No conselho de Horácio: Carpe Diem.
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