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Aldeias portuguesas e seus nomes misteriosos
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Aldeias portuguesas e seus nomes misteriosos

Vamos devagar na estrada porque as placas das cidades podem nos chamar. Ou, ao contrário, nos fazer acelerar. Viajando em Portugal, tropeça-se em pérolas. E por trás de um nome de uma aldeia, você já sabe, tem sempre uma história. Verdadeira ou inventada. Mas sempre boa
Tipo Crônica
 Ponte sobre o rio Alva, na vila de Côja, em Arganil, na região de Coimbra                     (Foto: Robert Frans)
Foto: Robert Frans Ponte sobre o rio Alva, na vila de Côja, em Arganil, na região de Coimbra

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Há lugares onde o nome entrega tudo. Ou quase. No mínimo dá uma luz. Vejamos o caso de Batalha, em Portugal. Pois, quem nesta cidade chega ou passa, desconfia logo que andaram uns e outros guerreando por ali. E quem não sabe mais fica sabendo que foram os portugueses e seus aliados ingleses que se bateram valentemente contra os castelhanos, no longínquo 1385, numa batalha campal que ficou famosa e ganhou o nome de Aljubarrota.

Dizem os livros, foi um dos acontecimentos mais decisivos e importantes para o país. Como Batalha, outras cidades de nomes sugestivos são, por exemplo, Porto, Faro, Pedaço Mau, Água de Todo o Ano, Cabeçudos, Chiqueiro – todas portuguesas. Em Chiqueiro irei um dia investigar.

E eu poderia passar o resto da vida debulhando a lista destes topônimos curiosos, em Portugal. Mas, avisando para se ter atenção especial em Covide, por exemplo, ao passar na região de Gerês. Não pelos motivos que nos vêm à mente, na associação imediata de ideias – pois às vezes os nomes mentem.

Mas, por causa da beleza da região, com seus antiquíssimos bosques de carvalho e seus sítios arqueológicos que datam da Idade do Ferro. Para vocês verem que um nome nem sempre faz um canto. Mas, em Pai do Vento não aconselho irem. Que os ventos lá são outros e nem são tão bons. Despenteiam cabeleiras e bolsos.

 

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Mas, destes nomes de cidades e aldeias portuguesas que nos ensinam, nos interpelam ou lançam quebra-cabeças, o mais interessante é o de uma pequena freguesia no município de Leiria, chamada Amor. Pronto, já adivinho ideias românticas. Os moradores orgulhosos juram, inclusive, ser verdadeira uma velha lenda que tudo justificaria.

Uma história de amor entre o rei D. Dinis e uma certa camponesa. Contam, e repetem todo pulmão, que o rei vinha certo dia, galopando no seu fogoso corcel, quando viu uma moça, a mais linda das redondezas. Ele rendido pela beleza dela e ela apenas rendida na sua condição de súdita, pobre e mulher – quem ousaria dizer não a D. Dinis?

Assim, entre campos de papoulas e malmequeres, o amor dos dois se consumou. Como o rei voltou várias vezes para rolar no campo florido com a camponesa, o lugar dos encontros passou a chamar-se Amor – mesmo sem a certeza se de amor se tratava. Mas, a coisa não ficou por aí. O romance clandestino acabou chegando aos ouvidos da rainha, que resolveu por um grão de areia na alegria real. Mandou colocar tochas e fogachos no caminho das escapulidas de D. Dinis, como se dissesse sem dizer: “eu sei”.

E lá vinha o amante fogoso no seu fogoso corcel, todo saltitante, quando, a uma certa altura da estrada, viu a tal “alumiação”. O rei parou e disse - “Até aqui cego vim”. E, por um milagre destes da vida, surgiu ali no local mais um povoado, este chamado “Cegovim” que, com o tempo, como na brincadeira do telefone sem fio que vai mudando palavras, passou a Segodim.

 

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Para você ver a língua do povo. Tanto bisbilhotaram a vida dos amantes que batizaram de uma lapada só duas aldeias. A camponesa, seguramente, saiu da história malfalada, o rei satisfeito por ter mais duas aldeias no seu reino e a rainha vingada por ter iluminado os segredos do marido.

Tudo isso seria lindo se fosse verdade. Pois, já botaram abaixo a conversa dos amores e intrigas reais. Segundo os historiadores, seria improvável, para não dizer impossível. O nome Amor, parece, já lá estava antes dos embates nos campos floridos. Mas, tampouco têm explicação certa para o mistério etimológico.

O certo mesmo é que em Amor, mulheres bonitas não sei, mas há malmequeres e papoulas. E Amor florido vale sempre a pena ver. E, na desculpa de descobrir o mistério de outros nomes inventados, é preciso bater a porta de casa e ir palmilhar o país. Se perder no caminho das cidades, fazendo aqui e ali a pergunta que fez José Saramago em Viagem a Portugal, ao “homem que sempre dá as respostas”.

E dele ouvindo: “para entrar na terra, segue essa estrada em frente e vira à esquerda”. Quem sabe, encontramos assim, por acaso, a figurinha de granito da Senhora da Cabeça? Aquela que cura “males dos miolos”. E, não curando enxaquecas ou loucuras, cure-nos um tantinho de nossa ignorância sobre os lugares de Portugal. Santos e profanos.

Foto do Ariadne Araújo

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