Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Já que falamos semana passada de amigos tatuados no nosso corpo, hoje proponho refletir sobre as tecnologias numéricas que transformaram amizades e, também, inimizades. Um dia ele e ela estão no grupo de amigos e noutro migram para grupos não tão amigáveis assim. Já recebi até pedido de amizade de velhos inimigos. Deixe-os prudentemente de fora
Foto: Demitri Túlio
Borletas fotografadas em Chenonceau, França, 5 de julho 2013
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As amizades novas chegam-nos agora em grupos. As inimizades também. Nas nossas redes sociais, o grupo dos chatos-do-condomínio, do-curso-de-leitura, dos parentes mais distantes, dos irmãos e irmãs, dos pais-de-alunos. Muitas vezes é um grupo contra o outro. Amigos cuja única ligação é o grupo de amigos. Ou mais ou menos amigos. Às vezes, mais menos que mais. E, todos os dias, novos pedidos de amigos na fila de espera. Pendurados, até que você decida, coitadinhos, adicioná-los à lista de amigos. E vai engrossando esse cordão de amizades — que você nunca viu nem sabe quem é.
Temos grupos de amigos de carne e osso - ainda bem. Daqueles com tutano e músculo, que duram na dureza do tempo. Estes vamos conhecendo primeiro um a um, cada indivíduo com suas singularidades e particularidades. Depois, com a amizade bem fornida e cheia de substância, agrupamo-nos. Como um átomo contendo prótons, elétrons e neutrões. Mas, nos grupos efémeros das redes sociais, os elétrons saltitam de um átomo para outro, deixando rastros de likes e deslikes, de mãozinhas postas e corações partidos.
"Paul Ricoeur nos diz que amigos são seres que aprovam nossa existência. Worms completa e diz que as inimizades negam nossa existência, recusam a singularidade do nosso ser. É nesse sentido que a inimizade contém virtualmente o ódio, do mesmo jeito que a amizade contém virtualmente o amor"
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Nestes grupos de amigos das redes, temos a experiência da amizade pontual. Vamos ali mantendo-nos por um fio, na cordialidade e simpatia dos “bons-dias”, até que, um assunto factual, uma frase mal colocada ou uma ideia divergente, temos o caos e divisões – o grupo de amigos estilhaça-se, transforma-se em grupo de inimigos. E temos uma farra de apagões de conversas, de fotos juntos, de contas silenciadas ou bloqueadas. Pronto, acabaram-se os compartilhamentos. Das amizades, saltam inimizades. “Inimizade como espectro bem escondido em toda relação de amizade”, lembra-nos Frédéric Worms.
O remédio contra estas estruturações de grupos nas redes sociais – que muitas vezes nos enlouquece com os seus malefícios mais que os benefícios - é voltar ao velho e bom jeito de fazer amizades – individualmente, olho no olho, dia após dia, gesto após gesto. Amizades que acontecem no tempo, que acompanham e fortalecem. Daquelas que permanecem, que não desistem de nós, conosco nos risos e choros. Tão diferentes desses amigos grupais que respondem às nossas alegrias ou tristezas com carinhas em mímicas de sentimentos. Precisando de ombro? Toma um ícone das mãos postas.
Inimizades vêm, portanto, romper o seu contrário, ou seja, a possibilidade de uma boa amizade. Gesto ou palavra que revela hostilidade. Paul Ricoeur nos diz que amigos são seres que aprovam nossa existência. Worms completa e diz que as inimizades negam nossa existência, recusam a singularidade do nosso ser. É nesse sentido que a inimizade contém virtualmente o ódio, do mesmo jeito que a amizade contém virtualmente o amor. Mas, até onde podem ir estas inimizades? Se olhamos para a nossa história, a resposta é talvez esta: até uma guerra.
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