Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Inteligências artificiais - todos querem. Consta que esta é a adoção de tecnologias em larga escala mais rápida da história humana. Seus criadores confessam, inclusive, que suas criações guardam (até deles) uma parte de mistério. Ou seja, mesmo os experts da Silicon Valley não sabem ao certo como @s IAs funcionam assim tão bem
Devo deixar o meu marido? Pedir demissão do emprego? Mudar de país? Suicidar-me? As Alexias, as Siris, as Elisas mergulham em milhões de dados, livros, pesquisas e estatísticas, e emergem com respostas tais como “sim, talvez seja melhor fazeres isso”. E nós acreditamos na máquina porque a máquina é infalível. Acreditamos na máquina que calcula respostas. A máquina que cospe lógicas (e também absurdos). Nós-el@s, el@s-nós. Preferimos nos aconselhar com as máquinas - noss@s melhores amig@s. Afinal, el@s não nos deixam nódoas escuras, feridas e machucados, tão comuns nos choques entre gentes de carne e osso. Cada vez mais solitários na multidão, vamos nos distanciando de amigos e amores, depositando nossos traumas, decepções, medos e recalques a qu@m não tem coração.
Noam Chomsky chama de “inércia analítica e criativa”, esse estado para o qual caminhamos – de imitação de relações e comunicação humanas. No seu “desassossego” com a forma como a tecnologia está a evoluir, o filósofo e linguista americano revelou, em entrevista ao jornal português Público, “que este é o ataque mais radical ao pensamento crítico e às ciências”. Para ele, a única maneira de se controlar essa evolução rápida e avassaladora, “é educar as pessoas para a autodefesa”. Ensinar o que é e o que não é. Já que essa tecnologia é uma realidade imparável. Melhor aprender a viver com el@, com suas consequências - para o bom e para o pior.
Tecnologias que criam uma atmosfera de comunicação, onde “explicações e compreensão não têm qualquer valor”, diz o pesquisador. “Não dizem nada sobre linguagem, aprendizagem, inteligência”, preocupando-se em tão somente “simular” e “não com entendimento”. Não estamos prontos para tal nível de sofisticação. Corremos o risco de nos tornarmos meras cobaias para que estas tecnologias treinem e aprendam, ajustando pouco a pouco suas representações internas, se autocorrigindo a partir de erros. “Ferramentas fantásticas para a difamação”, acrescenta o autor, que vê na nossa relação direta e “inocente” com as máquinas, uma “capacidade de danos extraordinária”.
"Para nossos problemas tão humanos, conselhos de algoritmos não valem um tostão furado. Ou, como se diz aqui em Portugal, nem dez réis de mel coado"
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Devo lembrar que o filósofo já viu o mundo mudar de forma radical, nas suas voltas e meias. Aos 94 anos, Chomsky era menino na Segunda Guerra Mundial, atravessou toda o período da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim, assistiu pela televisão a ida do homem à Lua, a chegada imparável dos computadores, telefones celulares. Agora veio à público alertar contra a adoção rápida da inteligência artificial. Consciente da circulação de conteúdos – sem nenhuma regulação – que muda realidades e pessoas. Em contextos eleitorais, em contextos de conflitos e guerras, de disputas de mercado. Nossa compreensão, até hoje tão linear da tecnologia, não alcança os movimentos rápidos e performáticos dest@s novos modelos que nos chegam. Que nos cegam. Que nos embalam. Modelos fabricados, mas por quem?
Dizem que não devemos temer @s inteligências artificiais, mas temer quem @s fabrica. Já que a tecnologia não é neutra. Desse modo, fiquem sabendo, el@s “modelizam” (não é o caso dizer “pensam”) em inglês. E, em breve, também em chinês. Na disputa global pela fabricação destas tecnologias – em especial Estados Unidos e China - nossas mentes estão sendo acostumadas, modeladas, adormecidas, distraídas, sonambulizadas. Chomsky tem razão. Devemos educar as crianças e aprendermos - grandes e pequenos - a lidar com essa tecnologia, refletirmos sobre ela. Explicar a nós mesmos, e a uns e outros, às futuras gerações que nascem com um tablet na mão, como manter uma mente crítica e lúcida na nossa relação com as máquinas inteligentes.
Utilizar a tecnologia, sim - mas sem abrir mão das relações humanas. Relações humanas que nos deixam nódoas na alma e dão-nos conselhos que também podem não valer nada, mas tiram-nos do virtual, trazem-nos para o mundo real. O mundo onde somos nós os pilotos do avião, e não simulações de Zelensky, do Papa, da rainha da Inglaterra - a nos dizerem o que fazer. Pilotos de carne e osso e não simulacros. No comando, para voarmos e também para aterrizarmos os pés no chão. Ou, mudarmos de rumo e de velocidade, se for o caso. Para o bem dos passageiros do Planeta. Para o bem da nave, que é o nosso Planeta.
Já para nossas questões existenciais, el@s nada sabem. Apenas combinam respostas do que sabem do que outros homens e mulheres sabem, no mundo. Do que foi parar na Web. Para nossos problemas tão humanos, conselhos de algoritmos não valem um tostão furado. Ou, como se diz aqui em Portugal, nem dez réis de mel coado.
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