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Criativos culturais estão mudando o mundo
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Criativos culturais estão mudando o mundo

São uma nova categoria sociológica: os criativos culturais. Em Portugal, Nuno Nabais, mesmo sem saber, é um deles. A fábrica de armas que ele ocupou, ao invés de máquinas de morte produz agora cultura
Tipo Crônica
Para Nuno Nabais, a transformação de uma fábrica de armas em centro cultural é uma forma de minimizar ou compensar o mal que as armas  trazem ao mundo (Foto: Site do Braço de Prata )
Foto: Site do Braço de Prata Para Nuno Nabais, a transformação de uma fábrica de armas em centro cultural é uma forma de minimizar ou compensar o mal que as armas trazem ao mundo

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Poderia ser um brasileiro – no Ceará temos muitos. Criativos culturais que, atravessam sociedades, num trabalho de formiga, mas absolutamente potente. Em pouco ou muito tempo, vão mudando um pedaço do mundo. Para melhor, diga-se. Semana passada descobri o criativo português Nuno Nabais e ele agora é o meu novo herói. Filósofo, professor universitário, ensaísta, livreiro. O homem que empenhou até o último fio da barba branca para transformar um prédio abandonado de uma fábrica de armas – Braço de Prata - num centro cultural. “Orgulhosamente ilegal”, como ele gosta de afirmar.

No espaço labiríntico que ele ocupou e renovou há mais de 15 anos, com a ajuda dos alunos, Nabais abriga os sem-abrigo culturais. Nas 12 salas da Fábrica Braço de Prata, cabe tudo. Do stand up filosófico a aulas de quizomba e forró, exposições de pintores e fotógrafos, clubes de crochet e de cuiqueiros, oficinas, canto lírico e teatro, projeções de filmes e aulas de canto, piano e candombe. A lista é longa, porque Nabais aceita qualquer proposta que ocupe bem o mundo imaginário ou imaginado – esse, onde a cultura substitui a pólvora.

Os livros são presença incontornável. Empilham-se na livraria da Fábrica de Prata, mas também pelos corredores, nas salas, nos lugares de passagem. Altas torres de palavras e pensamentos à disposição de quem lhes ponha a mão. No destaque, claro, a filosofia – toda as salas do centro têm nome de filósofos. Na cava, artistas instalaram ateliês e vão decorando corredores. O charme do lugar não vem só do idealismo da ilegalidade - inclusive do terreno de estacionamento. Mas de se saber que, em meio a tantas guerras e pessimismo, de medo e de depressão, dos muitos fascismos e radicalismos, existe algo assim, no mundo.

O sucesso da programação multicultural incomoda a muita gente. Por isso, o centro cultural alternativo de Nabais consome o salário dele todos os meses e, em troca, traz multas e ameaças de despejo. Da prefeitura, que expede as multas. Da vizinhança dividida entre os que lá vão e os que não gostam do movimento. E da especulação imobiliária, que aguarda a hora de botar a mão no terreno, um dos metros quadrados mais caros de Lisboa. Nabais vai resistindo. Na companhia de advogados amigos, vai fazendo sua resistência bem-humorada. “Vai ser bom enquanto durar”, diz aos jornais.

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A partir da definição de Anderson e Ray, o criativo cultural é aquele que começa pequeno e, após um tempo, consegue federar em torno dele centenas de pessoas. Segundo eles, 35% da população mundial estaria nesse movimento. No Ceará, por exemplo, temos Nabais que fazem o Circo Teatro Marias do Sertão, o Coletivo Brinquedo de Rua, o Ukilobo Capoeira, e tantos outros. Agentes que criam mundos, invertendo a lógica habitual – a de sermos meros produtores-consumidores. Destes resistentes tiramos uma visão mais otimista do amanhã.

Como encantadores modernos, através de ações transformadoras, colocam pessoas em movimento, ao invés da hipnose estática da tevê. Plurais, os Nabais da Terra estão em todas as frentes: direitos humanos, das mulheres, das populações originárias, defesa da natureza. Você com certeza deve conhecer um deles. Eu tenho uma dezena na minha lista. Maneira nova e criativa de ver e experimentar formas de viver juntos, para a gente sair um pouco da espiral negativa do fim do mundo. Por menos balas e mais cultura.

Foto do Ariadne Araújo

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