Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
A entrada de Eça de Queiroz no Panteão Nacional não agradou parte da família nem aos moradores de Baião — onde estava enterrado desde sua morte. Mas, se os restos mortais estão entre os dos ilustres de Portugal, suas histórias são livres e pertencem aos leitores do mundo todo
Eça de Queiroz foi meu primeiro amor português. Depois conheci Fernando Pessoa, António Lobo Antunes, Gil Vicente, João Tordo e, claro, José Saramago — com este último me casei, para toda a vida. Flertei com outros autores, mas o primeiro a gente nunca esquece.
Depois de ler O Crime do Padre Amaro, na minha fome adolescente de livros que me levassem em viagens no tempo e no espaço, devorei a coleção completa. De todos, sem sombra de dúvida, o livro A Relíquia ficou como o meu favorito. Embora um dos mais celebrados seja Os Maias.
Em A Relíquia, peguei a mão do sonso sobrinho Teodorico e deambulei pela casa da titi, a devota dona Maria do Patrocínio. Visitamos juntos o oratório de seda roxa, cujos santos viviam num bosque de violetas e de camélias vermelhas. Viajamos a Jerusalém para buscar para ela uma palhinha do presépio e um espinho da coroa de Cristo.
Histórias saborosas, em cujos subsolos afundamos no lodo da hipocrisia e falsos moralismos da sociedade portuguesa do século dezenove.
Mas, como todo clássico da literatura, as obras de Eça de Queiroz não estão presas ao seu tempo — continuam atualíssimas. Por esta atemporalidade, pelo realismo, pela profundidade psicológica dos personagens e pelo impacto que têm sobre nós, são livros considerados clássicos da literatura.
Aqueles aos quais estamos sempre voltando e redescobrindo — toda releitura é uma primeira leitura. Quem pode resistir às peripécias de Teodorico para agradar a tia rica e herdar a fortuna dela?
Mas, nada é tão simples quanto a superfície lisa de uma história bem contada. Por baixo, fervilha o formigueiro de conflitos humanos — a contraposição entre a vida e a morte, a riqueza e a miséria, a loucura e a lucidez, a mentira e a verdade, a honestidade e o engano ou a falsidade, o poder regulador da família e o desejo de liberdade, a devoção e a descrença. Eça de Queiroz não deixava um vespeiro quieto.
Suas histórias mostram como vivemos na impossível corda-bamba: de um lado as normas e as aparências, de outro o desejo de sermos nós mesmos e de sermos livres.
O que diria Eça de Queiroz, ao ver a urna com seus restos mortais chegar em uma carruagem puxada a quatro cavalos, com toda a pompa e circunstâncias, no Panteão Nacional? Da sua ironia fina, tiraria uma boa história, eu acho. Não sei se contente por dormir agora entre os grandes de Portugal, mas feliz por ser imortal — já que um escritor vive enquanto lemos e relemos seus livros.
Se os ossos não pertencem mais à família ou ao cemitério de Baião, mas são agora oficialmente de Portugal, suas obras, ao contrário, são livres. Povoam o imaginário coletivo de quem as lê e moram nas reentrâncias da nossa memória.
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