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Denúncia de racismo e discriminação arquivada, em Portugal
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Denúncia de racismo e discriminação arquivada, em Portugal

Trás-os-Montes — no Alto Douro, para além da Serra da Estrela, em Portugal. Já tinha ouvido falar desta região, na fronteira com a Espanha. Não por conta das belezas, mas de casos de racismo e ódio a brasileiras. Agora, mais uma história terrível para a lista: a de Jennifer Melo
Tipo Análise
Jennifer Melo (Foto: Reprodução/Instagram/Jenniferomelo)
Foto: Reprodução/Instagram/Jenniferomelo Jennifer Melo

Da Baixada Fluminense, do Rio de Janeiro, Jennifer Melo disputou e ganhou um concorrido processo seletivo para um intercâmbio de seis meses, em Portugal. Estudante de veterinária, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a brasileira escolheu a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) para estudar. Desembarcou feliz — o sonho de trocar saberes, no exterior. Em seis meses acadêmicos, tudo aconteceu pelo avesso: sofreu racismo sistemático, deboches, discursos de ódio e um ambiente hostil.

Colegas do curso de veterinária juntavam-se em grupos de WhatsApp e enviavam uns aos outros mensagens virulentas: em referência à Jennifer, partilhavam saudações nazistas, imagens pornográficas e de conteúdo de pedofilia.

“Eu só entrei no grupo porque pensei que iriam fazer um leilão de pretos. Estou desapontado”, escreveu um dos participantes — Jennifer é negra. A brasileira conseguiu algumas dessas imagens e mensagens, em capturas de tela, denunciou à reitoria da UTAD e às autoridades portuguesas.

Em três reuniões na universidade, foi aconselhada a não levar as denúncias à frente — “pare de fazer drama”. E os ataques multiplicaram-se. Quanto ao Ministério Público de Portugal, o caso foi arquivado. “Contexto de brincadeira” — dizem os agressores e os defensores dos agressores.

Jennifer é mulher, brasileira, negra, universitária e estrangeira em uma região de gente branca, pobre, com baixa escolaridade, que, em sua grande maioria, é fechada a tudo o que vem de fora. Um mundo onde brasileiras são vistas como ameaça.

Se a população de Trás-os-Montes vive esta triste realidade, não se explica tal ódio — Jennifer foi a melhor aluna no laboratório da UTAD, é altamente qualificada. Mais grave ainda, a direção da universidade portuguesa que, para além de um discurso vazio de “não-tolerância”, fez vista grossa, passou a mão na cabeça de seus jovens-adultos, “inconscientes do que escreviam e pregavam”. Nova geração de idiotas, eleitores de uma extrema-direita em Portugal.

Quanto à Jennifer, quanta coragem e dignidade. Não se calou. Lutou até onde iam os recursos de uma aluna estrangeira bolsista. Perdeu no Ministério Público — mas foi o Ministério Público e o ensino universitário português que perdeu, mais uma vez.

Jennifer não é a única vítima de discriminação, xenofobia, racismo, misoginia nos campus, em Portugal. O clima de “instabilidade” e “insegurança é tal que levou ao corte dos protocolos entre a UTAD e a Erasmus Student Network, a organização de estudantes que fazem Erasmus, na Europa.

No Instagram, Jennifer — agora pesquisadora e médica veterinária formada — deixou um recado: “vou mostrando como sou e vou sendo como posso”.

Foto do Ariadne Araújo

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