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Caminhoneiros convencem Bolsonaro (quem diria...) a reduzir teor de biodiesel
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Boris Feldman é mineiro, formado em Engenharia e Comunicação. Foi engenheiro da fábrica de peças para motores Metal Leve e editor de diversos cadernos de automóveis. Escreve a coluna sobre o setor automotivo no O POVO e em diversos outros jornais pelo país. Também possui quadro sobre veículos na rádio O POVO/CBN

Caminhoneiros convencem Bolsonaro (quem diria...) a reduzir teor de biodiesel

Biocombustível acima de 10% pode emperrar o motor, mas governo baixou mistura para baratear o diesel
Tipo Opinião
Auxílio Caminhoneiro pagará duas parcelas dia 9 de agosto totalizando pagamento de R$ 2 mil no início do calendário do benefício (Foto: Thais Mesquita/O POVO)
Foto: Thais Mesquita/O POVO Auxílio Caminhoneiro pagará duas parcelas dia 9 de agosto totalizando pagamento de R$ 2 mil no início do calendário do benefício

A novela do biodiesel se iniciou em 2008, com adição obrigatória de 2% ao diesel (chamado então de B2). Um combustível “limpo”, pois não tem origem fóssil (petróleo) mas vegetal, produzido a partir de grãos. O percentual cresceria gradualmente até 15% em 2023, desde que avaliações técnicas não indicassem problemas no campo.

Mas os estudos aconselharam um limite de 7% (B7). Produtores do biodiesel pressionaram e o Ministério de Minas e Energia (MME) permitiu o B10. Aí, começaram a surgir problemas no campo, mas, mesmo assim, foi autorizado um acréscimo anual de 1%, a partir de 2019, até 15% em 2023.

Quais são os problemas?
Um dos mais complexos é a presença de água, pois o biodiesel absorve umidade do ar, formando borra nos tanques de postos, carros e geradores de energia.
As queixas se avolumaram com o B11 em 2019 e B12 em 2020. Mas seus produtores negam e tentam provar que o percentual poderia até superar os 15%.
Nossa redação recebeu várias reclamações de donos de SUVs e picapes enguiçados na estrada. A culpa recaía na qualidade do diesel, segundo laudos emitidos pelas fábricas dos motores. Seria adulteração nos postos?

Paulo Miranda, presidente da Fecombustíveis (associação de distribuidoras e postos), não somente nega, mas acusa: além dos motores diesel entupidos nos veículos, centenas de bombas dos postos emperraram quando o percentual do biodiesel foi além dos 10%.

“Descartem!”
Fábricas de caminhões e ônibus confirmaram bombas injetoras travando pela presença de biodiesel. Algumas alegam que o problema surgiu até em veículos zero km estacionados por tempo mais longo no pátio, em função da pandemia. O que jamais havia ocorrido.

Problema gravíssimo com geradores de energia em shoppings, empresas e hospitais, que só funcionam emergencialmente. Mas não eram acionados, pois os motores emperravam pela presença da borra nos tanques. Neste caso, os responsáveis pelo biodiesel recomendam “descartar o combustível de tempos em tempos”. Mas como e onde? E quem assume o prejuízo?

Diante da situação caótica, o governo (MME) reduziu o biodiesel em abril deste ano, de 13% para 10%. Mas, pela pressão de seus produtores, retornou ao B12 em setembro e outubro.

Anfavea aprova ou não?
Os produtores de biodiesel defendem sua qualidade e alegam que a Anfavea testou e aprovou o aumento para B15. A associação dos fabricantes de veículos nega. Seu relatório final diz textualmente:

“A Anfavea não recomenda o aumento do teor de biodiesel no óleo diesel comercial... pelos seguintes motivos:”

E lista aumento da emissão de Nox, parada do motor devido a entupimento, aumento do consumo e desgaste de componentes do motor, rápida degradação do combustível e vários outros.

Preço fala mais alto
Entre idas e vindas, o diesel volta do B12 ao B10 em novembro e dezembro deste ano. Não por problemas técnicos, mas pelo custo! O litro do biodiesel custa R$ 5,65. O dobro do diesel A (sem mistura) na refinaria, a R$ 2,80.

Como o biodiesel encarece o custo do diesel na bomba, o governo reduziu-o então (novamente...), desta vez pressionado pelos caminhoneiros.

O que irritou seus produtores, que jogam com um poderoso (e correto) trunfo de sensibilização do mercado: produto ambientalmente correto.

Solução? Existe outro biocombustível também obtido de grãos, com molécula idêntica à do diesel e que, por isso, pode ser usado em qualquer proporção nos motores, até puro, o HVO: óleo vegetal hidrotratado. Também chamado “Diesel Verde”, tem custo mais elevado pelo tratamento com hidrogênio, mas já teve produção experimental iniciada pela Petrobrás.

Quando janeiro vier...
Outra preocupação dos produtores de biodiesel é que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu extinguir, a partir de janeiro de 2022, os leilões para sua venda, com garantia preço mínimo. Ou seja, além da reserva de mercado, querem também manutenção de preço mínimo, considerando-se as vantagens ambientais do produto.

Outro problema a se resolver: o programa de controle de emissões (Proconve) entrará numa nova fase (P8) em janeiro de 2022 para motores diesel, ainda não testados com índices mais elevados do biodiesel.

Resumo da ópera

- O biodiesel é uma boa solução ambiental e de independência do petróleo. Mas ainda existem problemas quando adicionado ao diesel em índices acima de 10%;

- A presença de água no biodiesel é um deles, pois forma-se borra que entope filtros e bombas injetoras dos motores;

- Produtores do biodiesel forçam aumento de sua mistura, mas entidades de classe (fábricas, distribuidoras, postos, frotistas, consumidores) pedem redução, para evitar prejuízos;

- Governo, entre a cruz e a caldeirinha, acaba de reduzir (novamente...) o percentual do biodiesel (12% para 10%) não pelos problemas técnicos, mas por elevar o preço do diesel para os caminhoneiros.

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