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Até onde faz sentido falar em cloroquina agora no Ceará
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O jornalista Carlos Mazza já foi repórter de Política, repórter investigativo, coordenou o núcleo de jornalismo de dados do O POVO e atualmente é colunista de Política

Carlos Mazza política

Até onde faz sentido falar em cloroquina agora no Ceará

Tipo Opinião

Na última semana, a Assembleia Legislativa do Ceará foi tomada mais uma vez por um embate caloroso entre a base de Camilo Santana (PT) e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Era quinta-feira, um dia após o governador anunciar novo lockdown em Fortaleza e cidades com nível altíssimo de risco para o Covid. A divisão no debate foi essa mesmo que você deve estar imaginando: Enquanto aliados do governo cearense defendiam a decisão de fechar comércio e circulação argumentando que as vidas devem ser a prioridade, bolsonaristas criticavam Camilo destacando o impacto da decisão na economia e em tragédias como desemprego e miséria.

Já é bastante curioso que alguém avalie como possibilidade factível o prosseguimento normal da economia no contexto desenhado para as próximas semanas - horas após a decisão do lockdown, imagens de ambulâncias no em fila no entorno do HGF lotado circularam o Brasil -, mas o argumento que incomoda mais é outro. No meio do embate, um dos argumentos mais repetidos por bolsonaristas era a não adoção do tal "tratamento precoce" no Estado. Pela fala de Delegado Cavalcante (PSL), o que se entende é que o uso de medicamentos como ivermectina e hidroxicloroquina seria o bastante para resolver o quadro na Capital.

Na prática...

A tese é, para dizer o mínimo, bem questionável. Em primeiro lugar, há casos práticos próximos como o de Natal (RN), onde o prefeito Álvaro Dias (PSDB) embarcou no tal tratamento precoce, sem muitos resultados. No final de fevereiro, quando o sistema de saúde da capital potiguar entrou em colapso, mais de 90% dos pacientes em UTIs tinham feito uso de remédios como a ivermectina, segundo a infectologista Marisa Reis, do Comitê Científico do Rio Grande do Norte. Sem leitos, o próprio município passou a restringir a circulação de pessoas.

A cada dia que passa, a tese também faz menos sentido. Na semana passada, o próprio Ministério da Saúde de Bolsonaro diminuiu o discurso de tratamento precoce e admitiu que o País atingirá marca de três mil mortes diárias nas próximas semanas. A cada mês, se acumulam casos até de apoiadores públicos do tratamento precoce que acabaram vítimas da Covid-19 no País. Se um conjunto de remédios simples e de fácil acesso resolvesse 90% dos casos graves, por que o Brasil continua batendo recordes em número de mortos dia após dia?

...a história é outra

No atual momento da pandemia, é necessário e urgente parar o ritmo de infecção da Covid no Estado. Diferentemente da questão da eficácia de remédios, o conceito de "contágio" é um pressuposto científico e não está aberto a questionamentos. Mais contato, mais gente infectada, mais óbitos. Se os leitos em hospitais acabam, o ritmo de mortes cresce ainda mais, até por doenças não relacionadas ao coronavírus. Até quem não tem medo de Covid pode precisar de um leito por outro problema e acabar na fila dos hospitais.

Ou seja, ao contrário do que fez Bolsonaro no final de fevereiro em Tianguá, é preciso evitar que os cearenses se aglomerem e transmitam o vírus uns para os outros. Ainda que os remédios do tratamento precoce curassem 99% dos casos, a disseminação da doença na população seguiria em ritmo insustentável para nosso sistema de saúde. O cerne do problema mais imediato simplesmente não pode ser resolvido sem menos contágio.

No fim das contas

O curioso é que, diante disso, alguns bolsonaristas levantam até a hipótese de ser tudo um plano macabro de milhares de prefeitos e dezenas de governadores para atingir Bolsonaro. Em prol da "politização" da pandemia, esses governantes estariam dispostos a sacrificar 270 mil brasileiros apenas para um suposto ganho político. A hipótese contrária parece bem mais simples e factível: os remédios talvez só não operam o milagre que Bolsonaro anuncia.

 

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