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"Cristofobia" não vale para padre Lino
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O jornalista Carlos Mazza já foi repórter de Política, repórter investigativo, coordenou o núcleo de jornalismo de dados do O POVO e atualmente é colunista de Política

Carlos Mazza política

"Cristofobia" não vale para padre Lino

Na Câmara Municipal na e Assembleia Legislativa, foram vários os discursos, polêmicas e projetos de lei apresentados no sentido de barrar a "cristofobia". Um dos mais emblemáticos é projeto do deputado Apóstolo Luiz Henrique (Progressistas) que prevê multas de quase R$ 50 mil para a prática do "preconceito contra a religião cristã em virtude de credo, fé, evangelho, vocabulário e peculiaridades"
Tipo Opinião
Apóstolo Luiz Henrique é autor da lei contra
Foto: Gustavo Simão, em 23/1/2019 Apóstolo Luiz Henrique é autor da lei contra "cristofobia"

Nos últimos anos, o crescimento no Legislativo de uma ala conservadora ligada a segmentos religiosos trouxe para o parlamento uma série de pautas até então pouco usuais para o debate público brasileiro. Uma delas aponta um crescimento vertiginoso da "cristofobia", movimento de intolerância religiosa com ataques e ameaças contra o exercício da fé cristã no Brasil - país onde mais de 80% da população se identifica com esta crença e onde templos religiosos do tipo são praticamente onipresentes.

Durante os primeiros meses de quarentena contra a Covid-19 no Ceará, eram comuns gravações de deputados cearenses criticando o fechamento de templos religiosos, algo que eles também associavam a uma intolerância religiosa e perseguição contra a fé cristã. Na Câmara Municipal de Fortaleza e Assembleia Legislativa do Ceará, foram vários os discursos, polêmicas e projetos de lei apresentados no sentido de barrar a tal cristofobia. Um dos mais emblemáticos é projeto de lei do deputado Apóstolo Luiz Henrique (Progressistas) que prevê multas de quase R$ 50 mil para a prática do "preconceito contra a religião cristã em virtude de credo, fé, evangelho, vocabulário e peculiaridades".

Em maio de 2016, uma peça de teatro que envolvia uma imagem de Cristo crucificado manchada de sangue gerou alvoroço na Assembleia, com deputados como Dra. Silvana (PL) denunciando cristofobia na medida e cobrando punições dos envolvidos. Na performance, o ator e jornalista Ari Areia respinga o próprio sangue na imagem sagrada como forma de retratar o impacto da religião em uma criação que naturaliza a opressão contra LGBTs. A peça era pequena, restrita a um seminário apresentado na Universidade Federal do Ceará (UFC), mas acabou virando pauta do Legislativo por semanas.

Seletividade?

Diante do grau de mobilização e interesse de religiosos com temas envolvendo ameaças à fé cristã, é surpreendente (e até estranho) o silêncio de grupos do tipo diante das agressões registradas no último mês contra o padre Lino Allegri, pároco da Igreja da Paz, na Aldeota. Desde uma missa em 4 de julho, quando fez críticas à condução de Jair Bolsonaro da pandemia de Covid-19 no Brasil, o sacerdote vem enfrentando a reação de um grupo de apoiadores do presidente, que chega a "montar vigílias" contra ele no templo.

Diante do risco à integridade física do padre, a Arquidiocese de Fortaleza em um primeiro momento afastou Lino das missas, com medo da intensificação das ameaças. É caso claro, portanto, de episódio onde a violência e a intolerância impediram um cristão de exercer sua fé livremente. E tudo isso sem qualquer comentário ou defesa mais incisiva dos deputados que tanto denunciavam a tal cristofobia.

Silêncio

Como é a lógica? Se o religioso envolvido não for de denominação evangélica ou conservadora, a prática de intolerância restaria menos configurada? Símbolos da fé cristã são mais dignos de proteção que o livre direito de professar o cristianismo como o pároco bem entender? Difícil compreender.

Em seu projeto de lei contra a cristofobia, o próprio Apóstolo Luiz Henrique pontua que "criticar não é o mesmo que intolerância", "desde que isso seja feito sem desrespeito ou ódio". No texto, estão previstas medidas até contra "hostilidade" contra símbolos da fé cristão. Difícil entender como isso não se encaixaria no caso do padre italiano.

Mais curioso ainda é ver que, no caso, uma rede de acolhimento e solidariedade ao padre se formou justamente pelo outro segmento do parlamento, frequentemente acusado de promover práticas anti-religião. Logo após o primeiro registro das agressões contra o padre Lino, foram várias as manifestações de deputados de esquerda como Acrísio Sena (PT) e Renato Roseno (Psol) neste sentido. Até agora, o apoio padre vítima de ameaças e violências não encontra grande reciprocidade entre segmentos mais religiosos.

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