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Câmara de Fortaleza e o paraíso conservador
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O jornalista Carlos Mazza já foi repórter de Política, repórter investigativo, coordenou o núcleo de jornalismo de dados do O POVO e atualmente é colunista de Política

Carlos Mazza política

Câmara de Fortaleza e o paraíso conservador

O que se tem visto na Câmara é o avanço de uma pauta cada vez mais ideológica e conservadora, que muitas vezes debate questões que nem parecem urgentes entre a população fortalezense - ainda mais em tempos de crise econômica e pandemia
Tipo Opinião
Ronaldo Martins, vereador em Fortaleza (Foto: Arquivo)
Foto: Arquivo Ronaldo Martins, vereador em Fortaleza

Tomando espaço que até bem pouco tempo atrás era mais ocupado pela Assembleia Legislativa, a Câmara Municipal de Fortaleza passou, nos últimos meses, a concentrar maior e mais marcante parte da pauta religiosa e conservadora no Ceará. A constatação contraria em parte a expectativa que saiu das urnas no ano passado, quando o PDT de Cid e Ciro Gomes - mais próximos do progressismo no espectro político - e seus aliados elegeram a maior parte dos parlamentares da Casa.

Apesar do recado das urnas, o que tem se visto na Câmara é o avanço de uma pauta cada vez mais ideológica e conservadora, que muitas vezes debate questões que nem parecem urgentes entre a população fortalezense - ainda mais em tempos de crise econômica e pandemia. Enquanto questões de ordenamento da cidade, saúde e pequenos negócios acabam tendo poucas inovações legislativas, se acumulam aos montes na Casa propostas como temas como "cristofobia", "gênero neutro", aborto e outras agendas do tipo.

Outra curiosidade é que, apesar do crescimento da oposição bolsonarista na Casa, esse avanço conservador não é nem puxado pelos parlamentares ligados ao presidente, mas quase sempre por gente independente ou da própria base do prefeito José Sarto (PDT), como Jorge Pinheiro (PSDB) e Ronaldo Martins (Republicanos).

"Semana pela Vida"

Recentemente, por exemplo, Pinheiro conseguiu aprovar polêmica lei permitindo a realização, pela Prefeitura de Fortaleza, de "campanhas de informação a respeito dos malefícios médicos e psicológicos da utilização de anticoncepcionais". Sancionada por Sarto em setembro, a proposta repercutiu nacionalmente, foi muito criticada e pegou mal para o prefeito - que fez campanha voltada para o lado progressista do eleitorado.

Apesar da sanção do pedetista - que foi, sim, problemática -, nunca é demais lembrar que a proposta saiu da Câmara com ampla aprovação, sem muitos registros de protestos nem pelas bancadas de esquerda. A apresentação de projetos como esses é legítima - o eleitorado de Pinheiro certamente votou nele para isso. O que é estranho é a sensação de que propostas estão "correndo soltas" no Legislativo, sem muito debate ou resistência.

Em bom português, a esquerda parece estar "comendo mosca" nesse debate, esperando depois que a solução caia do céu por meio de vetos do Executivo. Onde estavam PDT, PT e Psol durante a aprovação da lei?

"Alertas de nudez"

Na próxima semana, um novo projeto polêmico deve entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Apresentada por Jorge Pinheiro, a proposta quer obrigar cinemas, teatros e demais estabelecimentos artísticos a afixarem cartazes com "alertas" de violência e nudez - "explícita ou implícita" - durante apresentações ou espetáculos na Capital.

Em teoria, o projeto busca proibir a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios. Para gestores da cultura, no entanto, ela pode acabar impondo estabelecimentos a divulgarem alertas de nudez e violência. O que violaria inclusive a Constituição Federal, que prevê, em seus artigos 21 e 220, a competência exclusiva da União para "regular os espetáculos e diversões públicas".

Com relatoria de Ronaldo Martins, a proposta já tem - mesmo com a clara divergência do texto constitucional - parecer favorável na CCJ, e só não foi aprovada ainda pois Ronivaldo Maia (PT) pediu vistas do projeto no grupo. Registrando voto contrário à parte, o petista devolveu o projeto na última semana para a comissão, que já pode retomar a votação a partir de hoje. Resta saber se, desta vez, será novamente com pouco barulho vindo dos assentos progressistas da Casa.

 

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