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Para ganhar o mundo
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Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo

Para ganhar o mundo

Homens parecem ter dificuldade em entender esse medo sempre presente. Porém, a verdade é que mesmo que acompanhada, ainda que em lugar seguro, as mulheres estão potencialmente em perigo quando viajam
A brasileira Juliana Marins, de 26 anos, fazia um mochilão pela Ásia desde fevereiro (Foto: Reprodução / Instagram @ajulianamarins)
Foto: Reprodução / Instagram @ajulianamarins A brasileira Juliana Marins, de 26 anos, fazia um mochilão pela Ásia desde fevereiro

Nos últimos dez dias, as mídias e canais de comunicação foram tomados pelo caso Juliana Marins. A niteroiense fazia uma viagem de vários meses pela Ásia e, quando visitava o vulcão Rinjani na Indonésia, sofreu uma queda. Depois de dias de espera, ao final de tentativas de resgate e sucessivas quedas, o corpo foi encontrado sem vida.

Com a rapidez das redes sociais, acompanhamos o caso à medida que ele ia se desenrolando. Esperamos, torcemos e sofremos junto com a família de Juliana. A reação geral foi de comoção e apoio, revolta pela demora e exigência de responsabilidade dos envolvidos – guias, parque, governo. Mas aqui e ali vozes dissidentes nos lembram que ainda culpabilizamos a vítima, especialmente se ela é uma mulher viajando sozinha.

O fato é que as mulheres sempre viajam sozinhas, mesmo quando acompanhadas. Ainda que uma mulher esteja acompanhada de amigas, o fato de não haver uma figura masculina é visto como estar sozinha. Mas há também o caso de Gabby Petito, que foi morta em 2021 pelo namorado com quem viajava. Viajava sozinha com o namorado. No fim das contas, não há saída. A saída é ficar em casa, como sugeriu uma influenciadora que criticou os pais de Juliana. A saída é não viver. E essa não é uma saída.

Conversei com uma amiga, grande viajante, muitas vezes sozinha, sobre o caso de Juliana Marins e suas próprias experiências de viagem. Perguntei sobre sentimentos de solidão e abandono, ameaças que viriam dos outros. A sua experiência foi sempre de muita solidariedade. Ajudas apareciam quando perdia um transporte ou faltava dinheiro.

De todo modo, para ela, viajar, especialmente por lugares com menos infraestrutura, passa por uma preparação cuidadosa, que vai tanto abrir espaço para caminhos alternativos e passeios inusitados, quanto funciona como forma de cuidado. Camila Faria, do canal Youtube Camila e Bruna sobre mulheres viajantes, avisa em um de seus vídeos que o objetivo dos relatos no canal não é evitar que as pessoas viagem, mas deixá-las mais preparadas.

No curso da conversa com a minha amiga, ela fala dessa sensação de alerta constante. Relata que homens têm dificuldade em entender esse medo sempre presente. Porém, como no caso de Gabby Petito, ainda que acompanhada, ainda que em lugar seguro, as mulheres estão potencialmente em perigo. Ainda assim, minha amiga fala do sentimento imenso de liberdade que é viajar sozinha: o tempo de contemplação, a interação com o lugar e as pessoas.

No fim das contas, não se pode deixar de ir. Tudo o que vemos de Juliana Marins em suas fotos e nos relatos sobre sua vida é que ela viveu muito e foi muito feliz fazendo o que queria. Viveu destemida seus 26 anos. Culpabilizá-la é tirar dela esse feito.

Foto do Carolina Lindenberg Lemos

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