
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Preta Gil foi uma pessoa que viveu, trabalhou, estabeleceu relações de todo tipo, adoeceu e morreu. Tudo isso chega para nós, grande público, envolto de muito amor e afeto. Com isso, receio escrever sobre sua doença e sua morte sob o risco de fazer dela um caso exemplar. Ela não se reduz a um exemplo. Antes de tudo que eu possa dizer, ela foi alguém que passou por este mundo e que deixou nele parte de si. Dito isso, a forma da presença de Preta Gil nos espaços públicos nos autoriza, quero crer, a falar um pouco mais sobre as condições de sua partida.
O fato é que mulheres não podem adoecer. Conversando com uma amiga que se separou recentemente, dizíamos de como é frequente que os maridos se ressintam das esposas quando adoecem. É para os homens o lugar de poder adoecer e cabe às mulheres o lugar de apoio. Minha bisavó foi deixada por seu marido a certa altura da vida para recebê-lo de volta, anos depois, quando ele adoeceu.
Aliás, conheci muitas mulheres – mães solteiras, em geral – que viviam à base de remédios nas estações das gripes e resfriados, analgésicos para as mais variadas dores porque não podiam faltar ao trabalho. Além disso, são notórios os muitos casos de mulheres com doenças debilitantes e de tratamento longo que são deixadas pelos maridos. Esse foi, aliás, o caso de Preta, que pediu o divórcio justamente porque ficava abandonada em casa desde os primeiros meses de diagnóstico e tratamento. É sorte que Preta tivesse toda uma rede de apoio que permitiu que sustentasse esse lugar de cuidado de que precisava.
Mas para além da coragem de pedir o divórcio desde uma cama de UTI, Preta Gil colocou-se a si e ao seu corpo em foco para romper com expectativas e preconceitos antes mesmo da doença. Há muitos anos vinha discutindo publicamente a gordofobia.
Em 2021, lançou com a C&A uma coleção de praia que atendia a manequins até 4G. Continuou aparecendo publicamente de biquíni com as cicatrizes e a bolsa de colostomia. E das muitas ousadias de Preta Gil essa é a que quero aqui celebrar: a exposição franca de sua doença e da perspectiva da morte que se aproximava.
Num contexto social em que mulheres não podem adoecer ou devem sofrer em silêncio, Preta nos contou de sua doença, contou das trocas com seu pai sobre a sua partida iminente. Saiu a público, deu entrevistas, deixou-se fotografar, cantou com seu pai em grande show três meses antes de morrer.
Numa cultura em que doença e morte são tabu, Preta Gil rompeu o segredo e o silêncio e nos colocou de frente para os nossos medos. Ela nos mostrou que mulheres sim adoecem e que isso é bonito e feio, triste e alegre, vulnerável e corajoso, amoroso e doloroso. Adoecer e morrer é afinal parte da história.
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