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O dever social da preservação da infância
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Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo

O dever social da preservação da infância

O dinheiro ganho por esses chamados influenciadores é conta miúda frente ao que as mais célebres redes sociais auferem em seus balanços. Mais: há quem as defenda em nome de uma pervertida liberdade de expressão
O assunto ganhou força depois do humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, denunciar o influenciador Hytalo Santos por exploração de pessoas menores de 18 anos e alertar para riscos de exposição infantil nas redes sociais (Foto: Reprodução/Youtube@felca)
Foto: Reprodução/Youtube@felca O assunto ganhou força depois do humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, denunciar o influenciador Hytalo Santos por exploração de pessoas menores de 18 anos e alertar para riscos de exposição infantil nas redes sociais

Publicado recentemente pelo youtuber Felca, o vídeo intitulado "Adultização" ganhou milhões de visualizações e tomou o debate público do mês de agosto. Das conversas de amigos à imprensa, daí ao congresso, as redes sociais pautaram um debate que dizia respeito, fundamentalmente, a seu próprio controle.

Em linhas gerais, Felca expôs uma grande indústria de abusos e crimes que ocorre sob o radar das autoridades: as redes sociais mais utilizadas se valem de seus mecanismos algorítmicos para promover conteúdos criminosos, que incluem a exposição sexualizada de crianças e adolescentes. O vídeo de Felca choca pela crueza do conteúdo.

Para além de um influenciador, hoje preso, que realizava uma espécie de reality show com a atuação de adolescentes - e que enriquecera sobretudo em função desse tipo de conteúdo - há o poder de gigantes da tecnologia que vendem sua publicidade baseada no chamado "engajamento". Assim, quanto mais usuários dediquem seu interesse a um tipo de conteúdo específico, mais tempo permanecem conectados, logo, mais as plataformas vendem publicidade. É a chamada, talvez algo cínica, ou pragmaticamente, "economia da atenção".

Ocorre que a atenção não necessariamente possui moral ou, o que é mais grave, respeito a valores fundamentais. A exposição de vulneráveis a conteúdos passíveis de ofensa a seus direitos basilares não se centra, apenas, em alguns indivíduos que fazem disso seu meio de vida por meio das plataformas virtuais.

O dinheiro ganho por esses chamados influenciadores é conta miúda frente ao que as mais célebres redes sociais auferem em seus balanços. Mais: há quem as defenda em nome de uma pervertida liberdade de expressão, que vê na responsabilização das big techs uma forma de censura.

Assim, o projeto de lei 2628/2022, há pouco aprovado pela Câmara dos Deputados, ainda não parece tocar na questão fundamental, que estrutura o problema levantado por Felca. Em seu vídeo, ele demonstra como a interação dos usuários determina o que lhes será sugerido como próximo conteúdo recomendado. Isso ocasiona a formação de verdadeiras comunidades centradas nos mesmos interesses, as chamadas "bolhas", que compreendem, além de vídeos aparentemente inocentes, também os conteúdos criminosos. À luz do dia e sem nenhuma regulação.

Para além dos agentes privados - vítimas, responsáveis e entidades de defesa de crianças e adolescentes - e do Ministério Público, é necessário que o conjunto dos cidadãos possam exercer o poder de denúncia para a retirada dos conteúdos potencialmente ofensivos. Além disso, é necessário que as big techs assumam sua responsabilidade nessa questão. Há um caminho importante trilhado, mas importa sobretudo o que virá a partir daqui.

 

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