Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
O lançamento da minissérie Ângela Diniz: assassinada e condenada, pela HBO Max, no mês passado, é seguido dramaticamente por notícias de agressões contra mulheres e feminicídios que inundam os jornais na virada do mês de dezembro.
Entre elas, em São Paulo, requintes de crueldade em um atropelamento em que a vítima foi arrastada pelo carro por um quilômetro e teve suas pernas amputadas em decorrência dos ferimentos. Em outro caso, um homem atira com duas armas e mata sua ex-companheira enquanto ela trabalhava. No Rio de Janeiro, um funcionário público mata suas duas colegas por não aceitar ter chefes mulheres.
Se esses casos são chocantes, eles não são isolados e as estatísticas são alarmantes. Há um debate que discute se os números crescentes refletem o aumento real de casos ou tão somente o aumento das denúncias. De toda maneira, o que interessa é que a curva é só ascendente e não dá indícios de diminuir, mostrando que a incidência de violência contra a mulher na sociedade é maior do que suspeitamos.
Quando, na adolescência, ouvi a história de Ângela Diniz, o relato do julgamento do seu assassino me foi apresentado a partir da engenhosidade de associar o mecanismo jurídico da legítima defesa à noção de uma honra abalada. Lembro de fazer semblante de quem entende a sacada, mas por dentro estar atônita sem entender exatamente como se podem unir essas duas ideias.
Eram os últimos anos do século XX, eu vinha de uma família relativamente tradicional, não conseguia ainda formular o horror que essa posição me causaria poucos anos depois. Horror por essa defesa ter sido emplacada na década de 1970 e horror por ela ser apresentada como motivo de orgulho na década de 1990. Levaria ainda quase trinta anos para que, em 2023, a tese da legítima defesa da honra fosse abolida em definitivo pelo STF.
Em entrevista recente, Manuela d'Ávila retoma as ideias de "macho ferido" e "ressentimento de gênero" que apontam a resposta "mais fácil" de imputar às mulheres as dores do homem numa sociedade capitalista cada vez mais esmagadora. Apesar de ver sentido na fala da deputada, lembro que Elizabeth Harkot-de-La-Taille mostrou, em Ensaio semiótico sobre a vergonha, como a aniquilação do outro como resposta masculina para a honra ferida não data dos anos recentes.
As mobilizações populares que tomam o país - tanto recentes, no último dia 7, como na época de Ângela Diniz - são marcos importantes, frequentemente com consequências palpáveis. No entanto, somos metade do contingente, o que quer dizer que só estaremos verdadeiramente livres quando a emancipação passar pelo engajamento e responsabilização maciça dos homens, desde os menores atos de violência física e psicológica.
Análises. Opiniões. Fatos. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.