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Fatinha e seu case de dois gumes
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Caroliny Braga é jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC), pesquisadora em Mídias e Práticas Socioculturais. Dedicada ao estudo de meios e processos comunicacionais, há duas décadas, tem sido atenta à coisa de dar cabimento a histórias, à coisa de comer pelos ouvidos, à coisa perigosa e saliente que é contar

Fatinha e seu case de dois gumes

Nem só de sucesso vive um case. Beirando a maioridade civil, Fátima Régis saiu de Apodi, Rio Grande do Norte, no rumo da capital cearense. Com canudo de ensino médio na pasta de documentos importantes, a potiguar chegou a Fortaleza com o plano de dar à família que desejava constituir uma vida menos dura do que a enfrentada, até ali, por ela, seus irmãos, sua mãe e seu pai
Arte da Coluna (Foto: Divulgação/Sabrina Lemos)
Foto: Divulgação/Sabrina Lemos Arte da Coluna

Dos 16 filhos gerados por pai que construía casas e mãe merendeira escolar, só 10 conseguiram atravessar a primeira infância. Entre os 10, Fatinha Régis, e ela conta que não suportaria passar por dor semelhante a de seus pais. “Na vida que sonhei pra mim, não cabia um filho morto sem nem bem se criar".

Disposta, dona de jogo de cintura e de fácil entrosamento, em Apodi, no Rio Grande do Norte, ela havia sido empregada doméstica, mas sempre sonhou em trabalhar com comércio autônomo. “Eu sabia que trabalhando assim, com uma coisa minha, eu num ia ter uma segurança trabalhista, mas a flexibilidade que a maternidade pede estaria assegurada, então, era esse o caminho que eu queria". Poderia ser este um case de dois gumes? Foi. É.

E, com menos de um ano no novo torrão, o ventre de Fatinha fartou. Na época, o comércio já era pra ela uma realidade. Mas… Sem autonomia. Vendedora numa loja, pariu com carteira assinada e licença sumária. A primogênita Amanda chegou e contou com o salário certo de Fatinha, mas, também, com a minguada presença que é própria duma mãe firmada num ganha-pão formal.

"Tive licença maternidade curta. Na volta ao trabalho, minha menina contou com o colo dos vizinhos. Eu já maternava dum modo solo, não podia abrir mão da lida que eu tinha". Amanda tinha oito anos de idade, quando Gustavo, segundo filho de Fatinha, nasceu. O menino não havia inteirado um ano no mundo, quando a mãe sentenciou ao seu sagrado: “Definitivamente, meu Deus, eu preciso dum negócio meu!”.

E Fatinha pediu demissão. Seria um case de dois gumes? Foi. É. "Eu mal vi minha menina crescer. E eu me recinto muito disso. Não queria viver igual coisa com Gustavo". Com dinheiro que juntou, ela comprou um pula-pula colorido, umas peças em gesso, tintas, pinceis, e deu início ao seu sonhado negócio informal.

Da decisão pra cá, a empreendedora tem renda sujeita à audiência alta ou baixa que seu pula-pula e suas pinturas em gesso têm na praça Santa Edwiges, equipamento que fica rente à casa de Fatinha, no Vila Velha, bairro da periferia Oeste de Fortaleza. No território, o que não falta é criança batendo pé na rua, finzinho de tarde.

E, por anos, foi, bem dizer, só ela com aquele tipo de negócio naquela praça. Com o tempo, outras apostas iguais a dela chegaram. “Mas tudo bem, foi sempre tanta gente na nossa praça, que dava certo pra todo mundo”. E, junto a isso, Fatinha diz que, depois de a praça ser reformada, outros negócios se animaram.

“A mãe que traz os filhos pro pula-pula, tem um churrasquinho pra lanchar, uma barraquinha de sanduíche. Aí, tem o moço da pipoca, as meninas do artesanato, o menino do algodão doce. Mercado informal em praça arrumada é assim, dá certo pra todo mundo. É um puxando o outro".

Mas veio a pandemia. “E esse desafio ‘quebrou minhas pernas’, minha filha. ‘Quebrou as pernas’ de todo mercado informal da nossa praça. Foi um nó na vida. E, tanto tempo depois, a vida ainda não voltou ao normal". Tem mês que Fatinha só tem tirado o da água, o da luz e o de comer, agradecendo a Deus por sua casa ser própria (conquistada num mutirão).

Mas o Gustavo, ah, o Gustavo tem tido sorte. A sorte que é ter mãe por perto, por dentro de seus caminhos, pelos arredores de suas escolhas, por seus circuitos de aprendizado. Maternidade essa aplicada "graças" ao mercado da informalidade adotado por Fatinha, mulher que integra o percentual de 38,8% dos trabalhadores brasileiros atuando na informalidade, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma amostra que pôs a empreendedora e eu, num banco da praça de Santa Edwiges, a refletirmos sobre os dois gumes que há no case de Fátima, que não é santa, mas que tem feito milagre.

Quem ilustra o artigo desta quarta é a jornalista Sabrina Lemos, que conta: 

“Desde pequena, eu sempre adorei ouvir histórias. Amava quando a professora pegava livros para ler para a turma toda. Hoje, como jornalista, eu passei a escrever meus próprios textos que, com o tempo, também estão ganhando cores e formas, através de traços”.

A jornalista Sabrina Lemos(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal A jornalista Sabrina Lemos

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